Querida, minha querida!

Minha queria,

tenho morrido tantas vezes no último ano, que me é impossível contar.

Lembro-me de ter morrido certa vez, logo depois que você se foi. Enquanto caminhava para ir a padaria avistei uma mulher de meia idade, ela tocou minhas roupas e me pediu que lhe comprasse algo para comer. Ali, naquele momento eu morri. Ela foi a primeira mas, não seria a última a agir de tal forma para conseguir um pouco de alimento.

Minha querida,

Não sei se sinto-me feliz ou triste por você não está aqui.

Queria eu, poder contar-lhe sobre minhas realizações e meus feitos, não sobre minhas mortes. Entretanto, como posso fugir disso, se tudo o que tenho feito é morrer?

Outra morte que tive, foi recente e me marcou profundamente, uma professora jovenzinha, que dava aulas para as "paredes". Ela sabia que seus alunos estavam sofrendo mas, também não estava sofrendo ela?

Minha querida,

Lembrei-me de imediato que você também era professora. Lembrei-me de seu sorriso todas as vezes que contava-me uma história de seus alunos., das perguntas interessadas, dos olhares curiosos. Como queria que você pudesse consolar aquela professorinha que estava agoniada, decidida a desistir. Você com certeza lhe diria para continuar, que tudo ficaria bem, que as coisas iriam voltar e que ela ainda veria os mesmo olhares curiosos e interessados que você via.

Minha querida,

não sei se sinto-me feliz ou triste por você não precisar vê essas mortes ou passar também por elas. Sei de sua sensibilidade diante dos problemas do mundo.

Minha querida,

uma das minhas mortes mais dolorosas ocorreu a algumas semanas. Deixe-me conta-la: eu estava sentado a porta, quando passei a ouvir o choro lamentoso vindo da casa do nosso vizinho. Não pensei duas vezes e corri para socorrê-lo, sei o quanto ele sofreu com a perda recente da esposa. O encontrei sentado diante da tv, chorando alto, mãos no rosto, desesperado. Perguntei o que estava se passando e ele apontou para a tela: 4.249 mortes de pessoas inocentes somente em nosso País. Em apenas 24 horas, 4.249 sonhos se foram. Esse havia sido o recorde naquele momento. mas, todos os dias tem sido assim.

Entendi de imediato as lagrimas lamentosas do nosso vizinho. E ali, despenquei-me em uma das mais dolorosas mortes. Senti a impotência que em não poder salva-las. Em não poder fazer nada. Em recolher-me em minha inutilidade.

Minha querida,

Não sei se sinto-me feliz ou triste por você não me vê morrendo todos os dias e não vê pessoas com grandiosos futuros morrem a cada dia.

Minha queria,

Olhe por mim, não sei até quando conseguirei suportar as minhas diárias e inconsoláveis mortes de alma.

As feridas estão ficando cada vez mais profundas e não existe lugar para onde correr, me esconder, fugir.

Minha queria,

Não sei se sinto-me feliz ou triste por você não está aqui.