Almas gêmeas

Sabia que seria um ótimo dia para ler um bom livro sentado no sofá com seu gato de estimação e tomando uma aromática xícara de chá. Mas, naquela tarde chuvosa e cinzenta ocorreu-lhe algo mais. Jamais havia deixar de dizer a si mesmo o quanto era importante a companhia de alguém capaz de preencher o espaço incompleto e recoberto por algo como uma película fina e impenetrável o qual compunha bem momentos como esses em que o sol se esconde por detrás de nuvens escuras.

Seu gato sabia disso institivamente, pois ficava mais cínico e sobre um sono debochado debruçava-se ronronando, pois como poderia ele próprio servir-lhe de uma exigência tão própria à sua necessidade ter a si próprio como uma boa companhia para o seu dono. Como era de se esperar, então, encontrava-se sempre mantendo distância e nunca deixava de pedir algo antes mesmo do daquele dar qualquer abertura para o mascote. Isso era a situação, preto no branco, tal qual precisa entre a natureza de um gato e a de um homem.

Fechou o livro como interrompe uma estória perto de seu desfecho ou como um gato é interrompido de seu sono, e decidiu fixar sua atenção ao meditar diluindo seu olhar em toda aquela água que escorria do céu. Como poderia soar dentro de si o líquido cujo único trabalho foi evaporar e depois descer do lugar onde estava, sua resposta não estava em nada do que seus olhos podiam se fixar, no entanto era exatamente por esse motivo que chovia como se no devir a água fluía bem como carregasse-o consigo e com alguma força. Isso provoca-lhe uma sonoridade sobre a correnteza do seu olhar.

Saiba o gato que será abandonado dentro dessa prévia da busca na qual todo ser humano será convidado algum dia em fazer. A chuva para, mas chuva após chuva não há nada de felino nas mensagens que o ser humano recebe da natureza, ou seja, nada de cínico em seu movimento interior, cuja perceptibilidade é uma dança com a própria impermanência. Até o sono de um gato cínico pode tornar-se um bom tema para a composição de um quadro ou de uma canção. Nada lhe escapava na tarde em que a chuva lhe oportunizou essa meditação, depois disso como o despertar de um sono profundo dentro da noite escura, surge o sol e, também como ele com todo o calor que traz, o seu movimento interior como em uma inércia contrária.

Seu chá podia ser ingerido, eu gato podia se alegrar e seu livro começado a ser lido. Assim foi, como a passagem de uma tempestade, o surgimento de um consolo dentro da compreensão do real, o que antes estava parado e nesta inércia tanto quanto esquecido. Aliás, qualquer explicação física aqui deixa a desejar para uma causa suficiente, todavia algo passou a mover-se para a sua consciência, igualmente como a memória do líquido está para o calor verificável na existência do sol - um está para o outro na interação reativa de suas próprias naturezas, as quais são as mesmas.

Hideo Kato
Enviado por Hideo Kato em 11/04/2021
Reeditado em 11/04/2021
Código do texto: T7229176
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