Eu guardo bilhetes
Tenho manias que muitos vão considerar esquisitas. Tenho o básico de móveis e às vezes preciso sair correndo de casa para comprar algumas coisas para receber melhor minhas visitas, que são poucas. Eu nunca me importei com quantidade. Nem em relação à pessoas e nem à coisas.
Eu tenho uma quantidade de roupas que me permite ficar uns dez dias sem ter que ir para a lavanderia de casa, tenho camisas de um tecido que não é preciso passar, algumas camisas polos que servem para muitas ocasiões, algumas calças para algumas mais formais. E não gosto e raramente sou convidado para eventos de gala. O que me faz pensar que esse tipo de evento também não gosta de mim e está tudo bem. Temos um acordo entre cavalheiros.
Tenho dois pares de tênis, dois pares de sapatos e um chinelo, fui conferir agora. Tenho um emprego que me permite viver com dignidade. E sim, eu quero sempre mais da vida. Mais qualidade e não quantidade. Quero o melhor emprego do mundo que, na minha visão, é aquele que me permite ser útil usando ao máximo minhas potencialidades. Ser útil no limite da minha força e, por essa razão, não aceito ficar num emprego em que esteja em desacordo com meus princípios e vocação. Pelo menos não sem lutar, sem tentar, ainda que, com a paciência de quem tem responsabilidade, e aliar trabalho e prazer.
E nada disso é um convite a quem quer que seja adotar um estilo de vida que nem sei se tem um nome específico. Eu apenas gosto de falar com as mãos, sou apaixonado por um tête-à-tête de almas e por isso eu escrevo.
Nada que sou é planejado pela manhã, fui moldando a mim mesmo por muitas e muitas existências. E, portanto, tudo que faço é muito natural para mim, o que não quer dizer que tudo que tudo que faço é bom aos meus próprios olhos. Sempre pensei que o automatismo é um prêmio dos que agem bem de forma constante, obstinados nessa forma de agir. E um castigo para os que agem mal, constantemente e felizes por agirem mal.
E como fruto de meu automatismo, eu guardo bilhetes de amigos que me mandam presentes de aniversário. Que me mandam lembrancinhas sem datas consideradas especiais. Eu guardo desenhos feitos pelas minhas filhas porque eu sei que os filhos não são feitos para nós. Eles vão embora mais ou menos dia. São a maior lição que temos da natureza do que seria o amor, pois exigem desapego. E o amor com toda certeza não é uma algema.
Eu guardo fotos de momentos especiais de pessoas que não estão mais aqui, nesse plano, eu guardo suas lembranças vivas e com moldura de ouro lá dentro do meu coração, da minha alma.
Guardo momentos que aconteceram ontem ainda, na beira da piscina, entre duas pessoas que se gostam. De horas que se foram como segundos, porque o tempo, esse enigmático presente de Deus, desaparece quando estamos conectados aos espíritos que são como nós, que tem os mesmos valores que os nossos, que nos fazem sorrir sem saber o porquê. O mesmo tempo que desaparece quando estamos juntos nos faz sentir que faz muito tempo, aquilo que na verdade faz apenas horas, porque foi maravilhoso.
Eu não poderia deixar de dizer que gosto muito de dinheiro e de tudo que ele pode nos proporcionar. Que adoro desfrutar a vida que é maravilhosa. E, por isso, eu trabalho e não quero nada de ninguém nesse sentido. Mas tenho o costume de acumular mesmo somente esses tesouros que o dinheiro não pode me dar.