Impasse

O bem querer servia de bússola para me nortear neste mundo conhecido por levar de mim tudo e todos que amo, suportar reviravoltas desagradáveis e lutar por um recanto para chamar de meu. Um pedacinho de terra, uma conotação, um lugarzinho onde eu possa me sentir em casa, onde eu esteja segura quando vierem as tempestades, que sirva de abrigo e me traga conforto, que ninguém possa roubar as escrituras.

O vazio desolador de outrora me abraça apertado. Das milhares de indagações sem soluções, uma certeza: uma parte importante de mim morreu naquele dia, enquanto a dura sentença foi proferida. Caí nos braços quentes da negação, aquela amiga doce e incapaz de destruir as esperanças, as lágrimas já eram de tristeza, quentes como a raiva que fervia em meu peito e longas tais quais as noites frias de inverno, a espera.

Escutar o coração partido é o equivalente a olhar as horas em um relógio estragado. Você já foi embora. As olheiras são consequências das noites chorosas. Escrever a essa altura do campeonato deveria ser meu bote salva-vidas, nem que esta carta seja apenas dobrada, colocada dentro de uma garrafa, prometida a navegar pelos oceanos sem nunca chegar ao destino final.

Meu norte agora é a inadequação. O gosto amargo da rebeldia me torna indiferente a tudo. Estou perdida, com o dobro do medo que sentia antes. Das pessoas, desse amanhã tão incerto, de que minha vida não passe de um sonho ruim, quando tudo que eu queria era viver o meu final feliz.

E no que se sustenta o meu viver senão numa longa e interminável espera por um milagre que nunca acontece?

O dilema de relutar é uma constante. Seguir em frente é instintivo, não se chega a lugar nenhum rumando pela contramão porque o mundo do jeitinho que era outrora não passa de areia movediça, entretanto, caminho com as portas do coração bem protegidas contra eventuais invasores que prometam amor que não podem dar, indo além: mostrando-me indisponível para ciladas deselegantes do cupido, cortei relações com ele para sempre.

Outro amor não figura no meu rol de interesses e desejos, ainda que recomeços sejam belos e inevitáveis dentre as tantas certezas fugazes. Ainda é sobremaneira devastador mensurar a ideia de outra pessoa ocupar o seu lugar, mas nada dói mais do que questionar por que você tinha de partir... a conclusão é um golpe duro: não vislumbro dias melhores porque embora seja perigoso caminhar na contramão, aguardo o seu retorno e aí chego ao ponto crucial, em compensação, ninguém está esperando por mim, tampouco lutando pelo meu amor, estou remando sozinha sabe-se lá para onde, sabe-se lá por quê.

Machucada tantas vezes pela vida, a impostora assumiu o protagonismo, incutindo em mim a ideia de não ser merecedora, pois acostumei-me ao papel de figurante e, assim sendo, a postura mais previsível é a de não sentir-me digna de subir ao palco e apresentar o meu número, receosa das vaias, das críticas amargas, nunca segura para olhar nos olhos, nem por cima do ombro, nem para baixo.

A intuição falha, a realidade se desnuda nua e crua, razão pela qual protejo as lembranças, necessito apoiar-me em algo capaz de reacender em meu coração a esperança roubada. Eis que realizo o percurso mais inglório de todas as primaveras sozinha, como sempre fui e sempre serei. Aceitar meu verdadeiro destino é a estratégia mais acertada neste momento.

A revolta coabita com a tristeza. Tudo vai ficar bem. Sim, vai. A rotina tratará dos demais trâmites para ocupar a mente. Tudo vai ficar bem. Não tão cedo, sinto desapontar as expectativas da negação, pois ainda que eu me encaixe nessa nova "normalidade", jamais tornarei a ser quem era outrora e se isso é bom ou ruim, não sei dizer. Não enquanto o objetivo do percurso seja buscar respostas precisas para as milhares de indagações porque estar à deriva e não ter quem me socorra já é o suficiente para entender que não existe ninguém olhando por mim no mundo, talvez nunca tenha existido, nunca irá existir.

A localização é imprecisa. Perdida no mar das notícias ruins, da alienação compulsória, navegando em bravos mares, sobrevivendo às tempestades, aqui estou eu, nesse impasse duradouro para traduzir a essência mais bruta daqueles sentimentos calados com sorrisos convenientes. Se a tentativa falhar, ainda assim não me considerarei perdedora, eu o seria se nem sequer me esforçasse para tentar e me parece que insistir ainda é um verbo pelo qual possuo grande estima, ele é o meu norte, a chama condutora rumo à esperança, essa que me faz dobrar os joelhos e declarar o maior dos atos de resistência para um coração partido: sobreviver.

Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 05/03/2021
Código do texto: T7199241
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