PÁGINA AVULSA

Esse diamante que cintila no silêncio, o amor, não pode tudo.

Não pode romper o rancor encastelado.

Não pode ultrapassar a fronteira fechada de um peito deserto de esperança.

Não pode consolar o oceano das lágrimas amargas vertidas na escuridão.

Não penetra no abismo de mágoas escavadas por séculos, no desmoronamento de cada ilusão.

O amor não.

O amor espera um sinal, um aceno, a senha.

O amor adormece, hiberna sob o mau tempo, conta as horas, confere as marés, cofia as asas.

O amor retorna de tempos em tempos à porta de entrada, os olhos fundos, ávido pela entrega.

O amor erra.

O amor exercita os membros atrofiados. Bebe da chuva de queixas pra não morrer de sede.

O amor pede, mendiga, se nada recebe rasga sacolas de lixo emocional à cata de migalhas, uma gentileza dormida,  compaixão vencida.

O amor vaga, esquece o nome, esmorece, pena, tem fome.

O amor não pode tudo, não. Tem febre e alega cansaço quando já não acredita.

O amor abdica do par. Amor é ímpar, mas mantém o dom da rima, a brasa acesa que ilumina a noite da espera.

O amor inspira, impera, escreve minhas cartas, abre as janelas, tira o pó dos livros.

Há tanto tempo ocupamos o mesmo cômodo, que eu já nem sei mais quem é o dono, o inquilino, quem mora.

Penso que a diferença está na chave. Enquanto a minha só abre do lado de dentro, a dele emperra do lado de fora.

ROSE VIEIRA
Enviado por ROSE VIEIRA em 01/03/2021
Código do texto: T7195780
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.