Já que a vida é assim
O tempo é uma convenção humana, uma medida relativa da sucessão de acontecimentos que agrupamos e rotulamos por uma questão de organização. O nosso calendário data de 2021 depois de Cristo, enquanto que o calendário chinês entra a partir de 12 de fevereiro de 2021 no ano de 4719.
Não há razão lógica para acharmos que o ano novo trará coisas novas pelo simples fato da Terra ter dado mais uma volta em torno do sol. Mas o poeta Carlos Drumond nos faz entender, sem contradita, num de seus poemas, a utilidade dessas convenções: “Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos."
Nossa mente foi condicionada a acreditar que tudo se inicia novamente e outras oportunidades aparecem. E já que a vida é assim, podemos aproveitar esse suposto recomeço para mudar a nossa maneira de enxergar as coisas. Pois ainda que o tempo em essência não exista, o fato que é que nossa existência passa. Um dia as forças físicas e mentais se esgotam e nada mais podemos fazer em favor de nossa evolução. A não ser lamentar o tempo perdido.
Poderíamos, por exemplo, parar de insistir em separar as pessoas entre boas e más. E aceitar que somos apenas pessoas esclarecidas e outras ignorantes. E que a maioria de nós está entre esses dois extremos. Que sabemos coisas que algumas não sabem e que muitas sabem coisas que não sabemos. E que a máxima de Sócrates, tudo que eu sei é que nada sei, não era humildade. Mas uma verdadeira compreensão da grandeza da vida e de seus mistérios. Ou por outras palavras, de como temos coisas para aprender na vida, por mais que já tenhamos aprendido algumas coisas.
Poderíamos aceitar que quem muito fala aprende menos do que quem observa. Que o silêncio é uma forma de deixar o deus que somos se manifestar. Mas que sua prática é extremamente difícil para nós que somos um turbilhão de sentimentos.
O que nos leva a outra maneira importante de ver a vida que muito pode contribuir para que encontremos a felicidade, que se sobreporá a momentos felizes sem que os momentos felizes deixem de existir. Uma forma de ver a vida chamada aceitação. A própria primeiramente, da qual deriva a aceitação das pessoas. O que não pode ser confundido jamais com comodismo e nem mesmo com ausência de senso de justiça. A césar o que é e césar, a Deus o que é de Deus. Até que espírito e matéria aprendam a se harmonizar de tal forma que não haja separação entre leis humanas e leis divinas. Um caminhada tanto árdua.
Já que a vida é assim, porque assim a fizemos ao longo do tempo, que possamos aproveitar os recomeços para entender que a vida é uma sequência de tudo que fizemos e que tudo que fizemos ecoa em torno de nós perante nossa caminhada. E que nunca recomeçamos do zero. Pois a bagagem de conhecimentos sempre está aumentando, nós percebamos isso ou não. Que o conhecimento do outro, assim como sua história, pertence tão somente a ele e não temos como mensurá-lo à distância. Somos relativamente capazes de saber apenas o quanto aprendemos. O quanto custou cada lágrima nossa, cada momento bom ou ruim pelos quais passamos. Sem que nossa régua seja capaz de medir o mundo.