Mistura inédita

Você já sabia de toda minha profundidade e que você não seria capaz de se entregar dessa maneira. Mas, mesmo assim, convidou-me para entrar. Você sorriu para mim, cativou-me com um doce olhar. Admirou-me por ser tudo aquilo que sempre achou tão intangível, tão etéreo, tão inalcançável. De modo que, quando aceitei seu convite e cruzei por sua porta, sumiram-lhe as palavras, acelerou-lhe o coração.

Você não imaginava mesmo que eu fosse aceitar, parecia inconcebível tal ideia. Você entrou em estado de êxtase, enquanto não entendia como que nossas vidas acabaram por se entrelaçar. Mas não se ateve a essa incoerência, era hora de desfrutar da sorte, agradecer ao destino por favorecer tal acontecimento, apesar de toda improbabilidade.

Ao cruzar pela porta, nossa conexão foi instantânea. Nem precisávamos das palavras. Nossos olhares diziam tudo. Demonstravam todo o desejo, toda a cumplicidade. Descobrimos ter mais coisas em comum do que jamais havíamos sonhado encontrar em alguém. Nossas risadas eram altas e gostosas, sempre verdadeiras.

Enquanto tudo foi leve, foi lindo. Ali mesmo, na superfície, entrelaçamo-nos tão bem e ficamos tão envolvidos, distraídos, que demorou para que precisássemos ir mais a fundo. Éramos intensos, mesmo na superfície. Ali mesmo, parecíamos eternos. Parecíamos tão completos que nada poderia atrapalhar.

Aos poucos, minha natureza começou a notar que sentia falta de ir um pouco mais para o fundo, e torceu para que a sua natureza não fosse negar. Você, que ainda estava longe do seu limite, aceitou mergulhar comigo. E nesse novo nível, descobrimos que aquela profundidade nos fez bem, permitiu que nos entregássemos um ao outro ainda mais. Intensificou nossos carinhos, diminuiu nossas ressalvas. Éramos pura conexão.

Nossas vidas foram se tornando uma só, em sintonia, complementando-se. Apresentávamos um ao outro novas formas de enxergar o mundo, incentivávamos um ao outro a crescer, a evoluir, a aprimorar-se. Assim, íamos nos tornando cada vez melhores, juntos e também como indivíduos.

Tudo aquilo estava funcionando muito bem, até mais do que faria sentido. Talvez eu houvesse julgado mal sua aparente superficialidade. Talvez você só precisasse de tempo para se entregar completamente. Tempo para conseguir lidar com minha intensidade. Talvez você houvesse se assustado indevidamente, supondo exageros de minha parte que acabou por descobrir não serem verdade. Descobriu que não se tratava de exageros. Passou a apreciar essa profundidade à qual jamais havia sido capaz de se entregar.

Nós começamos num instante altamente improvável. Nós, que nunca havíamos enxergado realmente um ao outro. Havíamos criado mil suposições que nos tornavam seres de mundos distintos. Mas nossa ousadia de explorar essa mistura inédita acabou sendo recompensada. Se não fosse aquele convite que nem esperava direito por uma resposta. Se não fosse aquele aceite inusitado de entrar por sua porta. Se não fosse o tempo que soubemos dar um ao outro para, aos poucos, construir tudo que somos hoje. Se tivéssemos tentado prever o rumo que tomaríamos, equivocados, acabaríamos por abrir mão do destino mais bonito que jamais encontraríamos em outras circunstâncias.

Dancker
Enviado por Dancker em 27/08/2020
Reeditado em 04/09/2020
Código do texto: T7047336
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