Antes e Depois

Existem certos momentos desagradáveis que já sabemos que são inevitáveis. Uma hora ou outra, precisarão acontecer. Sabemos que serão um marco; haverá Antes e Depois. O Depois será amargo e olhará com nostalgia para o Antes, quando tudo ainda era doce. Entretanto, já não será possível regressar. Tal como não se pode devolver à alguém a inocência. Como não se pode desver algo, por mais que se deseje fazê-lo.

Porém, já sabemos, são inevitáveis. São verdades que precisam aparecer. São conversas que têm de acontecer. São ilusões que precisam se desmanchar. São alegrias que já têm hora para acabar. É o fim. O fim do adorável Antes. É o começo do amargo Depois. De mãos atadas, só nos resta uma cartada: adiar a chegada do desgostoso momento. É uma jogada breve, um feitiço que logo perde o efeito. Mas, enquanto não soarem as doze badaladas, podemos desfrutar das maravilhas do Antes.

Imersos no encanto finito, podemos uma vez mais admirar o inebriante sorriso, fadado a esmaecer tão em breve. Podemos dar um último abraço, que será retribuído com carinho por aquele que mal imagina a proximidade do Depois. Podemos sentar à mesa e nos esbaldar de divertidas gargalhadas, antes que estas se percam em algum abismo profundo demais para que ainda possam ser ouvidas.

Queremos estender as horas, para poder vivenciar tantas últimas chances de apreciar aquilo que não gostaríamos de perder. Ousamos acreditar, por apenas um instante, que poderia ser possível nunca chegar àquele temido momento. As alegrias parecem disfarçar a tristeza que está a caminho. As conexões de alma e pensamento parecem garantia contra o desenlace prestes a acontecer.

Refazemos as contas, colocamos tudo na balança outra vez. "Quem sabe se eu "isso" ou "aquilo" não seria possível cancelar o fim do encanto!" O preço exorbitante de repente parece irrisório. Enxergamos as consequências através de lentes completamente embaçadas. Esquecemos que é nossa responsabilidade dizer aquilo que precisa ser dito; revelar o que não deve ser escondido; não enganar só para parecer mais bonito; não prometer aquilo que não pode ser cumprido.

E assim, esperanços e iludidos, apreciamos e melodia sutil que está a soar. Dançamos a mais bela coreografia com aquele que, acreditamos, vai poder ficar. Não haverá marcos, não haverá Depois. Poderíamos viver eternizados no Agora, nos seria suficiente. Mas, aos poucos, percebemos que a música envolvente vai se tornando mais nítida e menos atraente. Enfim, reconhecemos aquele ritmo agora assustador: são as badaladas que já começaram a soar.

Com os olhos umedecidos, admiramos uma última vez a magia do Antes, que está a se desmantelar. Abrimos a porta do momento desagradável, está quase na hora do Depois chegar. Descobrimos que o Durante, tão breve, é uma mistura indecifrável de emoções. Não importa quanto tempo leve, parecerá rápido como o espetar de uma agulha. Porém com a diferença de que ela jamais será retirada. Será uma adaga encravada. Uma ferida que jamais será curada. A linha já foi cruzada, e agora habitaremos para sempre no Depois.

Dancker
Enviado por Dancker em 13/08/2020
Código do texto: T7033898
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