CARRILHÕES DO AMOR AO VENTO

...E ao fim do dia o vento voltou a passar. Surpreendida e encantada, pensei que ele tinha voltado por mim. (Não podia estar mais enganada)

Perguntei-lhe: Vento, porque voltaste atrás?

-Odeio perguntas, odeio explicações. De manhã eu disse que te amava. Pensei que seria o suficiente para me deixares em paz. Porque me interrogas agora? Porque me fazes perguntas tolas?

Tu não sabes que eu sou o vento? Impossivel de agarrar, Impossivel de controlar, Impossivel de meter nos carris?

Tu nunca vais conseguir enfiar-me numa camisa de forças. Sou mais escorregadio que uma enguia quando a apertas não mão. Nem tampouco vais conseguir colocar-me um açaime.

Eu beijo e abraço quem eu quero. Eu despenteio as moças estilosas. Eu levanto as saias das meninas recatadas. Eu desfiro rajadas de areia quando me irrito. Arranco as árvores, se me fazem frente, racho-as ao meio.

Levanto o telhado das casas. Deito ao chão os postes eléctricos. Levo pelos ares tudo o que se atravessa no meu caminho.

Contudo...Também faço coisas boas. Faço girar os moinhos de vento. Produzo energia eólica. Cuido da flora, propagando as espécies, ao espalhar as sementes. No verão sou terno e carinhoso, lançando uma brisa suave e fresca.

Estas são apenas algumas das minhas características.

Agora diz-me lá porque estás sempre a reclamar?

-Eu nao reclamo, mas na verdade começo a ficar cansada da tua prepotência. Cansada de ser tua escrava. Eu apenas aponto as coisas que me desagradam.

-E não te agrada nada em mim?

-Assim de repente, não me lembro, mas deixa-me pensar um pouco.

E comecei a percorrer os caminhos do pensamento. Como podia eu ter esquecido a semente dourada que o vento soprou no meu coração? Depois trouxe água fresca que a fez germinar, crescer e florir.

O crescimento da planta, assemelha-se ao crescimento do amor. Também o amor necessita de nutrientes para crescer e manter-se sadio.

Da mesma maneira que não posso aprisionar o vento, também não posso aprisionar o amor. O amor é como o vento, tem asas e voa. Não posso modificar ou condicionar a sua natureza.

É aceitando-nos como somos e moldando-nos uns aos outros, de maneira que não haja fricção capaz de causar feridas, que encontramos o equilíbrio para uma vivência saudável e feliz.

Eu tenho sido amor. Talvez eu ainda esteja apaixonada. Vi tantas maneiras de amar. O que sempre me atormenta e confunde são aqueles amantes que vêm e vão como o vento. Saciam-se, nutrem-se dos sentimentos e devoções dos outros e depois desaparecem. Fogem como ladrões com medo de ser apanhados. No entanto, alguns deles também enriquecem a nossa experiência. Ah, que malandros charmosos, são assim como uma brisa primaveril e um tornado, tudo em um, tornando a vida tão emocionante.

Outros são como aqueles ventos incessantes do deserto, que sopram sopram e sugam-nos até ao tutano. Outros ainda, são como vendavais marítimos que nos atingem, consomem toda a nossa energia e deixam-nos danificados como destroços de um naufrágio.

Oh, querido Senhor, envia-me um amor como uma suave brisa primaveril, para despertar o amor trancado em mim, para me acariciar pela eternidade.

Um barulho, como o pisar de restolho ou mato seco, chamou-me á realidade. Olhei e vi o vento sentado numa pedra preparando-se para se levantar. Fiquei surpreendida ao ver que chorava. Limpou as lágrimas com as costas da mão e levantou-se. Fiquei emocionada olhando para ele, mas não referi o facto, não fosse eu constrangê-lo.

Apenas disse: Não sabia que estavas aí vento, pensei que tinhas ido embora.

-Fiquei ouvindo o teu pensamento. Que grande lição que eu aprendi. Mas sabes que nem tudo que aprendemos podemos pôr em prática. Cada um tem de seguir a sua natureza.Tu sabes que eu não sou totalmente culpado quando sopro com demasiada força. Eu sei que tu estás ciente do que me leva a isso. Nem sempre provoco estragos, não esqueças que também faço coisas boas.

Mas não respondeste á minha pergunta. Podes responder agora?

-Claro que sim. Se não me agrada nada em ti? Há tantas formas de amar. Como podia eu esquecer aquela incrível semente dourada que trouxeste do oriente e sopraste dentro do meu coração? Germinou, cresceu, criou profundas raízes e hoje é uma linda flor perfumada de cor vermelho intenso. A essa bela flor exótica, dei o nome de amor!

Obrigada meu querido vento, por propagares as espécies.

© Maria Dulce Leitao Reis

22/02/2020

Maria Dulce Leitão Reis
Enviado por Maria Dulce Leitão Reis em 25/06/2020
Reeditado em 10/08/2020
Código do texto: T6987437
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