Septuagésimo quarto dia.

"A quarentena de um poeta"

Septuagésimo quarto dia:

A liberdade de expressão fora tema da semana e o monstro atacara sem perdão a nossa sociedade que enferma não tivera forças para se fortalecer e seus homens entravam em conflitos a interpretar a carta denotativa tão bem elaborada conforme os seus interesses.

Era tão fácil a meia palavra escrita no ar das entrelinhas, uma liberdade de expressão para que bastasse para o entendedor. Eu poderia criticar o mundo inteiro através das letras. Seria livre para expressar sobre o amor platônico a escrever versos ambíguos de diversas interpretações.

Traçaria o dia que uma andorinha entrou no meu quarto naquela casa "seis" do portal das artes de Paraty e me convidara para participar do ritual de danças que os pássaros faziam no ar, grafaria a beleza exótica de alguém que não se tinha como falar de seu sorriso, aquela bocarra esquisita e pintada de vermelho mate que engessava meus olhos.

Eu não via bulhufas, somente o rosto fazia parte do gosto das frutas romanas e o mover dos lábios a mascar o nada era uma mania bizarra de soltar a guarda. Contudo, era tão bela, uma beldade incomum, uma beleza exótica, sem padrão nenhum. Era o que me encantava.

Cantaria as maldades dos homens maus nas manifestações musicais, declamaria em praças públicas os dizeres libertos dos escritores barrocos que frente aos tribunais da inquisição satirizavam o papa e pintaria quadros assimétricos de diversos ângulos de imagem a ser expostos nas galerias de artes.

Desprendido das minhas expressões eu diria que o poder é o destruidor da harmonia. Essa influência dentro de uma sociedade surge de uma antropofagia política em que o homem devora o outro para que suas forças sejam ampliadas e se utiliza da liberdade de expressão para praticar injúrias contra aquele que ele considera o mais fraco, todavia sempre há um patamar superior que o detona a retirar todos os seus valimentos conquistados no seu ritual.

A arte derrota o poder a não tirá-lo do trono, mas a deixá-lo desarmado sem nenhuma possibilidade de censurar os artistas que se manifestam com argilas cinzas, pincéis redondos, lápis de escrita, notas musicais, sapatilhas de ponta, cenas dramáticas e imagens cinematográficas.

Eu utilizaria um poema do satírico poeta Gregório de Matos e com liberdade traduziria como uma intertextualidade o soneto:

Soneto Caíba

Neste mundo é mais rico, o que mais assalta:

Quem mais limpo se faz, é o que mais defeca:

Com sua língua ao nobre o pobre seca:

O velhaco maior sempre tem fachada.

Mostra o patife da nobreza a carta:

Quem tem mão de agarrar, ligeiro peca;

Quem menos falar pode, mais seca:

Quem dinheiro tiver, pode ser Magnata.

A flor baixa se inculca por caíba;

Bengala hoje na mão, ontem plaina de peroba:

Mais isento se mostra, o que mais cuba.

Para a tropa do trapo vazio a riba,

E mais não digo, porque a Musa aboba

Em aba, eba, iba, oba, uba

Ed Ramos
Enviado por Ed Ramos em 28/05/2020
Reeditado em 29/05/2020
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