Vigésimo sétimo dia
"A quarentena de um poeta"
Vigésimo sétimo dia:
O sábado era santo para a maioria dos brasileiros que não conheciam o motivo da tristeza de há mais de dois mil anos, o mesmo sentimento que dominava o mundo atual. No passado ninguém sabia do milagre do dia seguinte, contudo o décimo segundo dia de abril, um domingo, não seria como aquele dia de festa. Não aconteceria o milagre da vitória, pois o próprio homem contemporâneo cheio de conhecimento era o responsável pela maldição.
O amanhã era previsível pela lei da progressão matemática e a única arma além da fé seria a disciplina.
Uma caça aos ovos era mais uma fraqueza das vítimas do consumismo e o cenário era de corridas em busca do ouro, o cacau.
Era capital o pecado da gulodice pelo chocolate, um produto tão supérfluo na guerra que deixaria os nossos organismos vulneráveis ao vírus segundo os especialistas, pois o confinamento nos impedia de queimar as calorias causadas pelo rei das guloseimas.
Eu tinha assistido na sexta-feira da paixão o quebrar das regras de um homem cristão que limpara o nariz com uma de suas nuas mãos e em seguida apertara a de uma pobre simpatizante idosa que estava a flutuar no espaço lotado.
Os homens, canhotos e destros, insistiram em desprezar a ameaça a seguir o exemplo do soberano que a cada dia fugia da realidade a utilizar no seu dia a dia, figuras de pensamento.
O rei e outros reis iam de encontro aos seus apoiadores com a leveza de um ídolo a ser carregado nos braços pela multidão enquanto até os caçadores de judas respeitavam a quarentena a deixar os postes lisos e os porretes escondidos.
Todavia eu tivera a esperança de que um dia tudo iria passar:
Reis
Eu vejo um rebanho a aguardar
O rei da floresta de fragas
Que irá rugir ao amanhecer
Para marcar agressivamente sua plaga
E quando anoitecer
Haverá outros leões novos,
Jubados,
Que irão se opor ao reinado
É a guerra desses animais
Vence o que alto berra
E o que acorda
A marcar território em nossas terras
Todavia, o dia há de chegar
Eles destruir-se-ão
E um novo rei surgirá
Manso e de bom coração