Vigésimo quarto dia
"A quarentena de um poeta"
Vigésimo quarto dia:
A chuva forte que caía sobre as telhas de minha sacada me despertara e mais confinado eu ficara.
Seria impossível evitar os meios de comunicação que apresentavam dados assustadores e exibiam a pancadaria política dos infelizes.
No vigésimo quarto dia da quarentena, o país apresentava dezessete mil cidadãos infectados e quatrocentos óbitos. Conquanto, os políticos começaram a influenciar a população de que se poderia abrir os portões, esquecendo que o invasor não utilizava um aríete medieval e ao mesmo tempo eu testemunhara alguns casos próximo da nossa casa.
Na tela, havia a visão dos bares lotados e futebol, uma imagem deliciosa para o "Multiplexador de Gotículas" que agradecia a cegueira dos que viam apenas a si sem saberem o mal que estariam a fazer para a comunidade.
A cada tento marcado, os abraços apertados dos falsos atletas e os discursos empolgados dos comentaristas de plantão facilitavam a ação do penetra.
Não precisava ser cientista para perceber que algo muito ruim estava para acontecer, pois a nossa estrutura era limitada e os mais atingidos seriam as criaturas desorientadas pela própria sociedade que os levou a formar uma cultura organizacional muito difícil de ser modificada.
Viera a saudade do tempo de outrora, uma época que se ouvia a estória da guerra como se fosse uma mentira.
"Havia preás no tempo da areia lavada que o Velho retirava do rio de águas acinzentadas que impediam a nossa travessia à margem da grama do modo que se afundava a cada dia.
O Velho brigava com o rio no quotidiano e somente o tempo conseguia a trégua a enviar a chuva e a noite para cessar. As mãos que arrastavam a pá de grãos era o pão de cada dia a ser retirado para alimentar um punhado de crias que vivia no barraco ao lado enfincado no barro do topo do morro. E o bairro se expandia às custas do Velho. As casas eram erguidas pela riqueza da arte, a areia garimpada pela força dos braços e secada pelo coração da natureza".