Vigésimo terceiro dia

A burguesia de uma cidade bela e praiana da região dos lagos insistia em quebrar as regras a pressionar o seu governo a afrouxar. O monstro estava solto a andar pela comunidade sorrateiramente a procurar uma brecha para encontrar a primeira vítima e quem sabe já a teria achado e infiltrado, tomara a posse de seu corpo por duas semanas.

Eu não conseguira entender o porquê de ser necessário o primeiro caso para depois apertar. Não teria lógica deixar acontecer o primeiro crime para depois tomar as precauções. Isso me deixara triste a saber que o capital mais uma vez supera a vida e poucos se sacrificam por ela. Poderia haver um pacto de toda humanidade para que ninguém passasse fome, ao seu lado sempre haveria alguém a socorrê-lo, pois o mundo estaria parado, não teria como ostentar a fazer compras, ir aos restaurantes, frequentar eventos internacionais, viajar para o longe, passear de carro novo e muitos e muitos mais.

Todos seriam iguais pelo menos durante a guerra, todos se postariam diante de sua fé, e acabaria de vez a religiosidade e o etnocentrismo.

Mas seria utopia querer que o homem abandone a sua busca diária pelo prazer e a satisfação do seu ego.

A ajuda econômica para o povo felizmente havia saído do papel e Raisa poderia se cadastrar no programa para recebê-la. A menina guerreira que tanto me orgulhara não tivera mais a chance de vender suas quentinhas na praia. Estivera em isolamento social a ser suportada pelo poeta que todos as manhãs ouvia sua voz:

- Pai, te amo.

Esses momentos de alegria elevara o meu astral e cortara um pouco o anseio.

Entretanto eu não poderia deixar de acompanhar a evolução da guerra e ficara feliz por saber que na Cidade do Samba, tão criticada pelos etnocentristas, heroínas fabricavam diariamente cerca de quatrocentas máscaras e capas para os hospitais. Essa gente humilde encara o vírus da mesma forma que enfrenta a vida a levantar todos os dias de madrugada e com a lata d'água na cabeça inicia a labuta para que uma vez por ano se possa desfilar na avenida a alegria de viver.

Tantos eram os momentos de amparo, mas para aqueles que insistiam em ironizar as medidas do governo a criticar o distanciamento eu sugeriria um grande baile a fantasia:

O clube dos corruptos

O Clube dos corruptos que se acham cultos

É composto por atores indiscretos

Que jogam o bilhar a valer

A celebrar o indigesto gesto de mais se obter

Há sócios beneméritos a se banhar,

A beber destilados coquetéis à beira da piscina

Que armazena patacas de notas lídimas

E a dar gargalhadas das vítimas

A gala do salão é iluminada pelos lustres de cristais

As faces dos ímprobos se refletem nos vitrais

A formar uma combinação de fantasmas a dançar

É o baile à fantasia promovido pela burguesia

Entretanto, a porta é estreita ...

Ed Ramos
Enviado por Ed Ramos em 08/04/2020
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