Décimo sexto dia
"A quarentena de um poeta"
O décimo sexto dia:
O dia começou com um pequenino conflito entre Vovô Pico e o seu Pirralho:
Abri a torneira para molhar as plantas que desejavam a água para o seu viver. Não havia nenhuma gotícula e Alice entrara em desespero. Lembrei-me que o nosso peraltinha na tarde anterior deu um voo perdido em volta da casa a nos fazer procurá-lo e o encontramos próximo ao registro geral de água a brincar solitariamente. A ficha caiu e verificamos logo que o pequeno volante da nave que transporta o abastecimento d'água estava girado todo para a direita como o da direção trancada de um automóvel. Não fizemos alarde para não estimular as reprises e logo as coisas voltaram a funcionar, inclusive o banho de mangueira que Asaph tanto se agrada.
Quem dera os conflitos que vejo fossem com este, tão fáceis de se solucionar, os atos ruins involuntários fossem perdoados e os premeditados fossem punidos.
Que víssemos a inocência nas pessoas antes de querer julgá-las e que houvesse o discernimento capaz de sabermos separar o joio do trigo.
Mas o que se presencia é a falta de sintonia entre os que lideram a nossa sociedade no combate ao invisível terrorista que quer impedir toda humanidade de respirar.
Ao deitar na rede após o almoço eu vi a rolinha-roxa a desfilar pelo piso morno do quintal e depois voar para o telhado de amianto onde havia uma reunião de pardais que lhe deram boas vindas com algumas picadas como se fosse o cumprimentar nesse mundo dos pássaros.
Mais uma lição para o poeta que aprisionado tenta entender o comportamento humano. Às vezes penetramos nos lugares a esperar o afago e recebemos chutes vindos de toda direção dos que esquecem que a vida é curta para alguns e longa para outros, porém sendo vítimas do mesmo predador.
A Vida tomba
A vida tomba
Quem vive na sombra
Quem serra nos bares
Quem aposta em azares
A vida tomba
O demente que zomba
Os homens sem sombras
Que abandonam os lares
A vida tomba
O marido que mente
A esposa que cede
À proposta indecente
A vida tomba
O soldado que pede
A viatura que mede
A cor do rapaz
A vida tomba
O pai que violenta
O filho que parte
E não volta jamais
A vida tomba
A mulher que ostenta
E depois se lamenta
Pela perda do gás
A vida tomba
O aluno que cola
Que guarda na cartola
A carta de Ás
A vida tomba
E só se levanta
O ser que alimenta
A pomba da paz