Décimo segundo dia

"A quarentena de um poeta"

Décimo segundo dia:

O sol insistia em me arrastar para a liberdade, porém eu estava convicto que deveria continuar preso junto à Maria Alice. Eu poderia de longe apreciá-la quando de posse de uma vassoura e um balde d'água e sabão ela esfregava o chão do quintal. Estava sempre a se ocupar com alguma coisa e vez em quando tocava violão a cantar louvores a Deus.

Eu continuava a assistir a evolução da catástrofe pelo mundo e via o inimigo a vir como uma nuvem de gafanhotos a destruir plantações. Dava aula de português à distância para minha filha e me orgulhava da sua vontade de dominar a disciplina. Esta quarentena estava a mudar muita gente. Muitos estavam a dar mais atenção aos seus. Recebíamos mensagens positivas de pessoas que jamais imaginávamos obter.

Depois da segunda guerra mundial, esse era o nosso maior desafio. Desta vez, os americanos não demoraram a entrar na guerra e a Grande Maçã era considerada o epicentro da pandemia no país com quase quarenta mil infectados. Os Estados Unidos passavam a China em número de contágios do novo coronavirus a criarem um paradoxo de que os de maior poder econômico comem na mesma mesa dos que passam fome.

Um medida do nosso governo tranquilizava o povo, pois existiria uma ajuda econômica para os trabalhadores informais e patrões impedindo o pandemônio na área de trabalho.

Gostaria que tudo fosse ficção, que o denotativo dessa função de linguagem referencial se transformasse em uma grande mentira e que cada texto fosse carregado de conotações:

O poeta peta

Conotativas são as coisas do meu mundo

Um embarque na minha literatura

Assentado diante dos montes uivantes

A ler pedaços meus, de Machado e Carpeaux

E dá vontade de mentir

A exagerar nos milhões de beijos

Nas comparações com as flores

E no exaltar dos mitos

Admito que cantos invento

Que ironizo os maus momentos

Que misturo os sentimentos

E as sensações que vivo

E em paráfrase lhes digo:

O poeta peta tão completamente

Que chega a petar a dor

Que deveras sente

Ed Ramos
Enviado por Ed Ramos em 28/03/2020
Reeditado em 28/03/2020
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