Décimo primeiro dia

"Quarentena de um poeta"

Décimo primeiro dia:

Hoje, acordei e não havia mais uma vez Maria ao meu lado com suas pernas sobre as minhas. Estava difícil manter o pacto. Todavia eu a via passar no início da madrugada e renunciei o desejo de me levantar.

Faz parte da peleja não se desconcentrar como aqueles soldados de Gideão que lamberam o rio.

Separei a gema de dois ovos e as bati com pó de caneleira e açúcar cristalizado a misturar com leite quente e meus pulmões agradeceram. O sol me convidava para um passeio e mais uma vez renunciei.

Estava a ser difícil o confinamento e a morbidade crescia a me estristecer. A mesma fonte que me dava essa informação noticiava uma grande preocupação com a economia do país.

O que seria mais importante?

Interromper a rede de contágio ou jogar com a sorte.

Quem impôs "às ruas" seria aclamado depois que tudo passasse ou haveria em tão pouco tempo outro holocausto:

Holocausto Brasileiro, século XX, e o Governo da época se omitiu. Foram mais de 60.000 mortos de maneira covarde e o poder ignorou.

Holocausto Brasileiro

Houve um tempo sem tempo

Havia uma senzala sem escravo

Haveria socorro sem medo

Há um desinteresse do caso

Era um lugar mais distante

Muito longe da capital

Onde não havia o mirante

A observar o hospital

Eram lançados à colônia os entes

Onde o sol desancava suas peles

E as moscas varejavam as feridas

Dos carimbados doentes

Milhares de caixas a desfilar

A subir o morro dos mortos

A ser enterrados sem forro,

Os indigentes sem foro

O artista desenhou a barbaridade

Que pousava desfolhada, nua

E revelou em Letras

O genocídio da sociedade

E ao redor do penar dos inocentes

Uma coroa de flores a se perdurar

Enquanto as mãos dos dementes

Atestavam o finar

Ed Ramos
Enviado por Ed Ramos em 28/03/2020
Código do texto: T6899803
Classificação de conteúdo: seguro