Doença (2018)

Tenho uma certeza estranha de que morrerei, ou que alguma doença mortal assola lentamente meu corpo. E que, apesar de todos os confortos dos quais gozo, morrerei sozinho. Por uma simples indiferença ou impercepcão dos que me são próximos. Não posso compartilhar isso com meus amigos, que uma vez me acolhiam e recebiam meu espírito e intelecto e me compartilhavam os seus. Tudo é tão mudado quando somos adultos, não temos mais ninguém que tenha paciência ou vontade, pois toda ela foi testada e esgotada na juventude, a ponto de que só restam os assuntos superficiais e cotidianos que nada os interessa nem a mim. Passamos os dias sem dizer nada, enfim, ou coisas sem sentido algum, que nos cansam e nos afastam lentamente.

Eu o olho e sei que ainda o amo e amarei, queria casar com ele, e partilhar uma casa, o cotidiano infértil e maravilhoso, e os poucos sonhos que ainda restaram, ainda que ambiciosos. Eu gostaria imensamente de me casar com ele, e isso me dói porque vou morrer sem viver essas coisas. Vou morrer jovem e sem querer. Mas ele não percebe essas pequenas emanações de ajuda, de companheirismo. E não entende que meus minutos com ele são preciosos e que ele precisa se esforçar um pouco, e não apenas o mínimo. Isso não seria necessário se eu não estivesse doente. Mas estar doente nos torna imensamente solitários nesses tempos vazios em que os outros estão conversando, indo para o trabalho ou simplesmente passeando de bicicleta ou ensaiando. São esses vazios que me tomam as vezes de um terror silencioso e intransponível a palavras, porque são pequenos lapsos de sentimento que vão tomando a sensibilidade de uma pessoa até não restar nada além de terror. E ainda há a morte, coisa que ninguém realmente quer falar, assim e abertamente, a morte. Seguimos delicados sobre esse assunto, nem eu falo dele com ninguém, nem sinto que deveria implorar sua companhia, sob o preceito inútil de ter de explicar o inexplicável, ou seja, porquê eu preciso da sua companhia.

Sinto falta dos momentos que eu não vivi e sonhei, tudo ao teu lado. Sinto tua falta imensa dentro de mim, e tu e somente tu permanecerás. Já não sentirei mais nada, não existirei e para sempre. Isso me assusta.

Não posso chorar no teu ombro sem tu me exigir uma resposta objetiva do porquê. Me deixa chorar. Não tenho medo de morrer, mas tudo que isso envolve é de uma dor taciturna. E sinto muita falta de ar, muita falta de ar. Não posso nunca respirar e isso é capaz de enlouquecer uma pessoa. E é mais um motivo do porque conversar seria inútil ou, pior, nocivo. Estou no meu quarto, sozinho, e assim estive pelos últimos meses, porque não queria interromper tua vida de forma a te dizer que estou doente, afinal, é sem dúvida inútil explicar isso sem um laudo médico. Mas é algo que sinto profundamente e por isso não deixa de ser tão real quanto. A distância construída a partir desses silêncios de falsa apatia me faz pensar que, realmente, nada poderia ser diferente. Me conforto na companhia de um livro e de desconhecidos. Não sinto mais apetite, não consigo levantar da cama e descer as escadas sem que isso me custe um esforço indescritível. Ando irreconhecível e calado.

David Ceccon
Enviado por David Ceccon em 08/11/2019
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