O ABRAÇO DO ABSOLUTO

(para Luciana Melo, quando a despedida de sua mãe faz a ruptura do itinerário dos dias)

Estou contigo, amada Lu, nesta hora de perdas, quando o chão parece ter fugido sob os pés. Sei bem dessa dor do amar, porém o tempo nos consola através da atroz energia das ausências. Para a morte, temos que ser borboletas e esperarmos a metamorfose. E isso leva algumas luas. O teu amor à Palavra será, no devir, o bálsamo de sempre. Aquela que nunca falta na solitude de si para si mesmo e é tábua de salvação na correnteza. Neste duro momento, está a se inflar o balão eterno da saudade. E este te acompanhará por todo o sempre como uma bênção do resguardo memorial – o fio umbilical que une ancestralidade e genealogia. A paciência e a esperança no teu porvir, por certo te darão resignação, bem como um pouquinho de energia para prosseguir na luta cotidiana. Temos de atuar com resiliência para enfrentar os desafios da velhice, que é qualidade temporal também sem volta para todos os seres vivos. Sempre caminhamos para a finitude. Poucos aceitam com galhardia a via crucis a que nos expomos, muitas vezes sem escolha diversa. E nem todo o humano ser chega à soleira do portal de passagem ainda com vontade de viver. A gastura atinge corpo e espírito. Amemo-nos para o semelhante, assim teremos o que dar àquele que necessita de palavra e atos. O lenço da temperança cobrirá a tua dolorida face. Esforça-te no teu deus. Quando tudo falta, ele é a única clava de apoio. O Absoluto traçará a tua rota de transmutação. E, daqui a um tempo, estaremos novamente juntos, em meio ao pó de que somos originários e a bruma do Aqueronte, que purifica e renova os restos da carcaça no estômago dos seres vivos, que precisam de energia para continuar nadando no placentário.

– Do livro inédito A VERTENTE INSENSATA, 2015/19.

https://www.recantodasletras.com.br/prosapoetica/6753528