CISNE NADANDO NO MEU PEITO

(...) ia dizendo, nada importante que significasse urgência me distraia, estanquei na vida esperando sua correspondência tardia, sem propósito meu raciocínio fora estancado no tempo dessa espera, a paixão e a cisão dela estancara meu raciocínio, eu não lia, eu não escrevia, a ultima foto sua envelhecia na memória, nada de novo aconteceu desde que tive de deixar você, sabe como é isso? alguém mete o metal na fechadura do lado de fora do desejo e porque talvez caiba entra no coração da gente, tal pessoa vai abrir a porta mas não abre, se entra não fica, a previsão do perfeito estanca o raciocínio das pessoa e deixa a voz de qualquer um sem o Z, agora batem à porta, quem é será capaz de abrir o Mediterrâneo? tocam o interfone, batem palma, peno que demorou pensando ser você, espero e vigio o acontecimento lento, a espera acentua meu degredo, mas é só o carteiro, a presença dele quase esvazia minha angústia, tudo é insuficiente mesmo, bastava uma palavra sua numa carta, será carta sua? de novo o carteiro chama, de novo toca o interfone, bate palma de novo, o silêncio tem a extensão do fôlego durante um mantra, agora esse ruído, mas vejam só o carteiro é conhecido meu, mal o reconheci, de patinho feio virou cisne, tem asas para entregar cartas, um Hermes, em suas mãos é minha carta devolvida ou um livro comprado semana passada? flertei, não fui correspondido, homens de uniforme tem mais charme enquanto trabalham, toda gente fantasia mas há limites, o que nos diferencia é o endereço, o carteiro é tão bonito quanto educado, usa uniforme colado, a palavra que sai da minha boca tem a ânsia da língua seca no mamilo úmido, faz um dia quente, suor na pele, sol na cabeça coberta pelo boné, a beleza é sempre a melhor distração, o nome do perfume dele é conexão, assino o recibo, o carteiro entrega meu volume de o carteiro e o poeta de Neruda e amplifica na minha ficção meu exílio, agradeço, a voz do carteiro é mar vermelho que deságua mediterrâneo, e tudo é nada disso porque não dura enquanto naufrago sobrepondo ao meu sonho desfeito o navio em que o carteiro navega, depois volto a vigiar o nada importante, sim o nada é importantíssimo, esvazio o raciocínio, volto ao mantra, o coração pulsando na palma da mão não corresponde ao tato da mão que acena, tenha uma bom dia, adeus, adeus, enquanto vasculho o vazio sem pressa de ler o carteiro e o poeta imagino um cisne nadando no meu peito, ia dizendo (...)

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Baltazar Gonçalves

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 02/09/2019
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