PADRE JOEL - O OPOSITOR
Por incrível que pareça. Muçambê não tem acesso nem mesmo ao atendimento espiritual, pelo simples fato do próprio Padre Joel ser vetado pelo prefeito de celebrar na capela pelo menos semanalmente. A depender da boa vontade do Xico Bode, O padre somente apareceria a cada semestre, porém, como teimoso que é, não sabendo o que é medo e sem se assustar com o prefeito, uma vez por mês celebra missa na capelinha. E, só não frequenta semanalmente, porque é também vigário em outra freguesia e teme que os fieis sofram algum tipo de represália por parte do prefeito. Com efeito, na região, a única verdadeira oposição ao prefeito é representada pelo padre Joel que, sem papas na lingua, denuncia todas as falcatruas dele, que chegam ao seu conhecimento. Como castigo só comunga o Xico Bode se ele confessar os pecados e pagar a penitência de rezar 700 padres-nossos ajoelhado na capela. Uma vez que Xico Bode não se confessa, nem paga a penitência, está há mais de oito anos, sem receber a comunhão. E padre Joel não está nem um pouco preocupado se o prefeito vai comungar ou não.
Padre Joel, branco, 1.70m, cabelos grisalhos, sessenta anos, foi ordenado na cidade de Bariri. Filho de uma familia abastada da cidade de Juaba, tornou-se padre por vocação. Crescido entre as cidades de Juaba e Pororó, região consiedarada o oásis no Nordeste, de tão próspera. Independente política e financeiramente de quem quer que seja, o padre não entende nem aceita o que presencia na cidade de Muçambê. Por isso, se dirige à prefeitura para ter uma conversa de pé de ouvido com o Xico Bode.
Gertrudes:
-Xiquinho, meu cheiroso!! O padre Joel está aqui.
Xico Bode:
-Avisa esse padreco agitador de que estou viajando para a capital.
Gertrudes:- Êle já ouviu a sua voz amoreco.
Xico Bode:
- A sua bênção, padre Joel!! Que surpresa agradável!!
Padre Joel: Deus esteja contigo, Francisco!!
Xico Bode:
-E aí, seu padre, passeando ou a negócios religiosos? Sua missa não é somente daqui a quinze dias?
Padre Joel:
-Nada disso Sr Francisco. Estou aqui porque estou preocupado com o aumento nas mortes das crianças.
Xico Bode: Estão morrendo de quê? santo padre.
Padre Joel:- De inanição Sr Francisco, de inanição.
Xico Bode:
Mas quem falou uma desgraça dessa? O último menino que morreu aqui foi na semana passada, o filho da Dona Dezinha. O bichinho não sobreviveria mesmo; o broguelo já nasceu doentinho. Fiz o que pude, era até meu afilhado.
Padre Joel:
-Sr Francisco, acabei de conversar com Pedro Peba (coveiro). Ele me confirmou agora há pouco que está sepultando em média doze a quatorze crianças por semana, incluindo crianças dos sitios vizinhos.
Xico Bode:
-Meu Deus!! Pedro Peba é maluco, tem de ser internado. Está computando os meninos que morrem na vizinhança; morrem por lá e enterram aqui. Qualquer dia desses baixarei um decreto proibindo o enterro de forasteiros aqui em Muçambê e impedindo Pedro Peba de falar asneiras. Somente a prefeitura é que divulga os índices oficiais de mortos aqui no municipio, não o falastrão, gagá do Pedro Peba.
Padre Joel:
-É lamentável que o Sr Francisco pense dessa maneira, sendo proprietário do cemitério, se acha no direito de decretar que os mortos dos sitios vizinhos não pertencem ao Município.
Xico Bode:
- Afinal de contas, padre Joel, o que o senhor quer que eu faça?
Padre Joel:
-Não exijo que faça nada! Quem sou eu para mandar na autoridade maior do município? Porém, pelo cargo que ocupa, Vossa Excelência tem a obrigação de cuidar melhor desse povo sofrido, construindo pelo menos uma escola, distribuindo livros, contratando professores, fazendo habitações. O povo daqui está precisando de assistência médica, tratamento da tuberculose, difteria, prevenção, vacinação.
Xico Bode:
-É muito fácil falar, exigir, xingar, criticar, jogar pedras...
Padre Joel:
-Não se trata de falar, criticar; é agir. O Sr na qualidade de prefeito votado pela maioria, tem a obrigação moral de zalar pela cidade e seus habitantes, de tratá-los com respeito e dignidade e não perpetuá-los na dependência, no empreguismo, analfabetismo...A seca é um fenômeno cíclico, periodo indeterminado e, antes mesmo de Muçambê existir, a seca já estava aqui.
Xico Bode:
-E aí, padre, onde o Sr quer chegar com esse discurso comunista, vermelho?
Padre Joel:
-Nao quero chegar a lugar algum. Simplesmente acredito ser injusto explorar pessoas simples, vítimas das secas seculares. Considero desumano acostumar pessoas ao paternalismo e mantê-los no cabresto. A seca jamais deixará de existir, o senhor sabe disso. Seria mais cristão adaptar o homem à seca, ensinando-o a fazer poços, usar o cata-vento, tratar e armazenar corretamente a água e distrubuí-la imparcialmente num processo de irrigação adequado, sem esquecer da energia solar. Ao contrário de Vossa Excelência, rezarei toda a minha vida para que chova pelo menos cinco meses por ano em Muçambê, e os gigolôs das secas morram afogados.
Xico Bode:
-Vira essa boca pra lá, padre, nada de rezas, nada de chuvas, cruz credo!
Padre Joel:
-Falando em reza, Sr Francisco, aguardo Vossa Excelência e a senhora Gertrudes na missa do próximo domingo.
Xico Bode: Até lá, Sr Padre, sua bênção!! Apareça!!
Livro: A Vaquinha da Primeira Dama
Editora CEPE (1998)
Págs 34 a 38
Padre Joel, branco, 1.70m, cabelos grisalhos, sessenta anos, foi ordenado na cidade de Bariri. Filho de uma familia abastada da cidade de Juaba, tornou-se padre por vocação. Crescido entre as cidades de Juaba e Pororó, região consiedarada o oásis no Nordeste, de tão próspera. Independente política e financeiramente de quem quer que seja, o padre não entende nem aceita o que presencia na cidade de Muçambê. Por isso, se dirige à prefeitura para ter uma conversa de pé de ouvido com o Xico Bode.
Gertrudes:
-Xiquinho, meu cheiroso!! O padre Joel está aqui.
Xico Bode:
-Avisa esse padreco agitador de que estou viajando para a capital.
Gertrudes:- Êle já ouviu a sua voz amoreco.
Xico Bode:
- A sua bênção, padre Joel!! Que surpresa agradável!!
Padre Joel: Deus esteja contigo, Francisco!!
Xico Bode:
-E aí, seu padre, passeando ou a negócios religiosos? Sua missa não é somente daqui a quinze dias?
Padre Joel:
-Nada disso Sr Francisco. Estou aqui porque estou preocupado com o aumento nas mortes das crianças.
Xico Bode: Estão morrendo de quê? santo padre.
Padre Joel:- De inanição Sr Francisco, de inanição.
Xico Bode:
Mas quem falou uma desgraça dessa? O último menino que morreu aqui foi na semana passada, o filho da Dona Dezinha. O bichinho não sobreviveria mesmo; o broguelo já nasceu doentinho. Fiz o que pude, era até meu afilhado.
Padre Joel:
-Sr Francisco, acabei de conversar com Pedro Peba (coveiro). Ele me confirmou agora há pouco que está sepultando em média doze a quatorze crianças por semana, incluindo crianças dos sitios vizinhos.
Xico Bode:
-Meu Deus!! Pedro Peba é maluco, tem de ser internado. Está computando os meninos que morrem na vizinhança; morrem por lá e enterram aqui. Qualquer dia desses baixarei um decreto proibindo o enterro de forasteiros aqui em Muçambê e impedindo Pedro Peba de falar asneiras. Somente a prefeitura é que divulga os índices oficiais de mortos aqui no municipio, não o falastrão, gagá do Pedro Peba.
Padre Joel:
-É lamentável que o Sr Francisco pense dessa maneira, sendo proprietário do cemitério, se acha no direito de decretar que os mortos dos sitios vizinhos não pertencem ao Município.
Xico Bode:
- Afinal de contas, padre Joel, o que o senhor quer que eu faça?
Padre Joel:
-Não exijo que faça nada! Quem sou eu para mandar na autoridade maior do município? Porém, pelo cargo que ocupa, Vossa Excelência tem a obrigação de cuidar melhor desse povo sofrido, construindo pelo menos uma escola, distribuindo livros, contratando professores, fazendo habitações. O povo daqui está precisando de assistência médica, tratamento da tuberculose, difteria, prevenção, vacinação.
Xico Bode:
-É muito fácil falar, exigir, xingar, criticar, jogar pedras...
Padre Joel:
-Não se trata de falar, criticar; é agir. O Sr na qualidade de prefeito votado pela maioria, tem a obrigação moral de zalar pela cidade e seus habitantes, de tratá-los com respeito e dignidade e não perpetuá-los na dependência, no empreguismo, analfabetismo...A seca é um fenômeno cíclico, periodo indeterminado e, antes mesmo de Muçambê existir, a seca já estava aqui.
Xico Bode:
-E aí, padre, onde o Sr quer chegar com esse discurso comunista, vermelho?
Padre Joel:
-Nao quero chegar a lugar algum. Simplesmente acredito ser injusto explorar pessoas simples, vítimas das secas seculares. Considero desumano acostumar pessoas ao paternalismo e mantê-los no cabresto. A seca jamais deixará de existir, o senhor sabe disso. Seria mais cristão adaptar o homem à seca, ensinando-o a fazer poços, usar o cata-vento, tratar e armazenar corretamente a água e distrubuí-la imparcialmente num processo de irrigação adequado, sem esquecer da energia solar. Ao contrário de Vossa Excelência, rezarei toda a minha vida para que chova pelo menos cinco meses por ano em Muçambê, e os gigolôs das secas morram afogados.
Xico Bode:
-Vira essa boca pra lá, padre, nada de rezas, nada de chuvas, cruz credo!
Padre Joel:
-Falando em reza, Sr Francisco, aguardo Vossa Excelência e a senhora Gertrudes na missa do próximo domingo.
Xico Bode: Até lá, Sr Padre, sua bênção!! Apareça!!
Livro: A Vaquinha da Primeira Dama
Editora CEPE (1998)
Págs 34 a 38