SECA ALMEJADA
À parte o folclore e o pitoresco de Muçambê, Xico Bode rezava diriamente para não chover no Município. Organizava, com a primeira dama Gertrudes Galinheira, procissões intermináveis para não chover. Quando indagado o porquê de sua preocupação com os índices pluviais, respondia de pronto e sem qualquer sombra de constrangimento:
-Se chover pelo menos razoável, eu me lasco. Perco os meus eleitores e, por tabela, a prefeitura, a minha maior fonte de rendas e de votos são as benditas secas; sem elas não terei mais verbas da Sudene, e o Denocs não virá mais construir outros açudes fantasmas. Também não terei mais cestas básicas dos bondosos doadores do sul. Muçambê deixará de ser evidência na imprensa escrita, falada e televisiva do país. Todo eleitor meu sempre foi instruindo a se apresentar rabugento, esquálido e verdadeiramente faminto. Quando interpelado pela imprensa, principalmente a TV Globo, se o meu eleitor não representar bem seu papel de flagelado, exibindo meninos sujos, lambuzados, assanhados, cagados, buchos quebrados, e não apresentar as panelas vazias, não for bastante convincente e, por falta de empenho teatral, vier prejudicar Muçambê nas doações apelativas da TV, sofrerá represálias: não se servirá mais da água do meu açude, começará a pagar aluguel do meu barraco que ocupa, não terá mais crédito em bodega nenhuma do município. Eleitor aqui tem de rezar na cartilha senão morre. Sou prefeito eleito pelo voto direto, eu chamo, eu quero, eu amo a seca. Sem a seca eu sería um pobretão, um Xico Ninguém. Viveria no ostracismo. No máximo chegaria a ser um deputado inexpressivo lá na capital, e não o Xico Bode respeitado, badalado, bajulado, sondado e disputado por todo tipo de candidato político que aparece aqui em Muçambê. Todo santo dia me aparece um político para tirar uma casaquinha da seca: candidato a governador, senador, deputado, vereador. Aparece até candidato a presidente da república beijando cassacos nas frentes de trabalho e com soluções inconstestáveis para minimizar a seca. Todos vêm aqui armar seu palanque eletrônico e prometer, via embratel, o paraíso para o flagelado. Promessas que faço desde quando me entendo de gente.
Livro: A Vaquinha da Primeira Dama
Editora: CEPE (1998)
Págs 27 e 28
-Se chover pelo menos razoável, eu me lasco. Perco os meus eleitores e, por tabela, a prefeitura, a minha maior fonte de rendas e de votos são as benditas secas; sem elas não terei mais verbas da Sudene, e o Denocs não virá mais construir outros açudes fantasmas. Também não terei mais cestas básicas dos bondosos doadores do sul. Muçambê deixará de ser evidência na imprensa escrita, falada e televisiva do país. Todo eleitor meu sempre foi instruindo a se apresentar rabugento, esquálido e verdadeiramente faminto. Quando interpelado pela imprensa, principalmente a TV Globo, se o meu eleitor não representar bem seu papel de flagelado, exibindo meninos sujos, lambuzados, assanhados, cagados, buchos quebrados, e não apresentar as panelas vazias, não for bastante convincente e, por falta de empenho teatral, vier prejudicar Muçambê nas doações apelativas da TV, sofrerá represálias: não se servirá mais da água do meu açude, começará a pagar aluguel do meu barraco que ocupa, não terá mais crédito em bodega nenhuma do município. Eleitor aqui tem de rezar na cartilha senão morre. Sou prefeito eleito pelo voto direto, eu chamo, eu quero, eu amo a seca. Sem a seca eu sería um pobretão, um Xico Ninguém. Viveria no ostracismo. No máximo chegaria a ser um deputado inexpressivo lá na capital, e não o Xico Bode respeitado, badalado, bajulado, sondado e disputado por todo tipo de candidato político que aparece aqui em Muçambê. Todo santo dia me aparece um político para tirar uma casaquinha da seca: candidato a governador, senador, deputado, vereador. Aparece até candidato a presidente da república beijando cassacos nas frentes de trabalho e com soluções inconstestáveis para minimizar a seca. Todos vêm aqui armar seu palanque eletrônico e prometer, via embratel, o paraíso para o flagelado. Promessas que faço desde quando me entendo de gente.
Livro: A Vaquinha da Primeira Dama
Editora: CEPE (1998)
Págs 27 e 28