O pé de tamarindo, na sua frondosidade centenária é uma dádiva divina para a proteção solar de rachar . Sua sombra é disputada por crianças, adultos e animais. É habito se reunirem as figuraças do vilarejo para as conversas jogadas fora, embasadas nas vidas alheias, uma espécie de parlatório ao ar livre. Sob a sombra do tamarineiro, corta-se o cabelo na barbearia ao ar livre do ser Demar que, usando de um tamborete rangendor, uma toalha sebenta e um pincel feito de palha de milho, capricha no visual da freguesia. E, nas fofocas costumeiras, você fica sabendo dos forasteiros recém-chegados, do caloteiro que foi cobrado, da mulher que corneava, da donzela que fugiu buchuda, da novilha de Enoque que pariu, do bruguelo de Antonio de mocinha que a parteira aparou na noite passada e do finado Justino que acaba de bater as botas. Afinal, o pé de tamarindo está em frente ao cemitério.
Cidade do interior nordestino onde não existe um doido não é cidade, é uma vergonha regional. Para alegria da meninada,  em Muçambê existem três doidos conhecidos por Beija-flor, Bacurim e Florisvaldo. O Beija-flor encarna a figura de Ícaro; aqui e acolá se se joga do galho mais alto do tamarineiro, alado com duas palhas de coqueiro, alça vôo e na hora da queda lhe restam duas os três costelas quebradas. Sua mania de voar lhe rendeu o apelido de Beija-flor. Bacurim de mútiplas personalidades, se acha príncipe, astronauta, cantor, ator e morcego. Quando encarna o mamífero voador, dorme dependurado no tamarineiro. O pior é quando cisma de morrer num duelo de foices e punhais com Virgulino Lampeão. Passa de três a quatro dias estirado no patamar da capela, completamente imóvel, de mãos postas, esperando a bênção do Padre Joel, pra voar de corpo presente para céu. Quando alguma beata apieda-se do pobre moribundo e lhe oferece um prato de comida, em tom grosseiro responde:
-Já viu defundo comer, sua filha de uma égua?
E volta imóvel ao seu estado de coma.
Outra figuraça bastante questionada quanto a sua sanidade é o vereador Florisvaldo. Preto, quarenta anos, estatura mediana, cabelos carapinhos, é conhecido mais por sua excentricidade e por maltrartar bem a grámatica, insistindo em falar díficil, com um falso sotaque carioca- afinal, esteve quinze dias no Rio! E termina servindo de chacota para o matuto que adora vê-lo pronunciar melcuro (mercúrio), premessa (promessa), taico (talco), aíco (álcool), sabonete fébio (phebo), carregado no carioquez. Mesmo assim se acha um intelectualizado e no direito de esnobar o dialeto do autêntico matuto. E, estufando o peito, gosta de afirmar que no Brasil os três pretos mais procurados são: Café, ele o Florisvaldo e o sabonete fébio (Phebo)

Livro: A Vaquinha da Primeira Dama
Editora CEPE (1998)
Págs 14 e 15