KÊNOSIS
KENOSIS
Deixadas de lado as experiências da vida adornadas de simbolismos, afastado todo véu de signifcação e sentido, entramos na dimensão dos momentos ocos, secos, rudes, vivências feitas pão sem recheio.
Na dor sem lugar desacomodada por Clarice Lispector, nas entrelinhas de Macabéa¹ mora a desafetuante condenação dos viventes em ter que enfrentar-se a si mesmos em desertos não programados que os ponteiros do relógio parecem esticar feito chiclete gasto na boca das crianças. Quem nunca assim esteve?
Contudo, há um profundo mistério que permeia essas experiências nuas. Algo que salta Aurélios e Filosofias e adentra mineiro na expressão confusamente bela da cruz de Jesus. Não escrevo teologia. De lá também não escorreram lindas canções que gracejavam flores.
Era apenas o pó, o cansaço, a solidão, o entrecorte de assombros. Silencioso momento. Dos lírios do campo à parábolas do semeador, a metodologia da cruz parecia indicar para um norte de retiradas: não houve discursos, nem tronos, milagres. Era apenas o humano que no eterno movimento da Kênosis (esvaziamento), teceu a última lição que a nós se faz tão esquecida, exigente: não há amor com máscaras, rococós e belas canções. O amor é vida. O amor dói. O amor educa. O amor ama. E ponto.
¹Personagem do conto A hora da Estrela de Clarice Lispector