Poética das Flores
Sinto um longo beijo estalar no sulco aberto da minha memória,
Prazeres perdidos em ondas a muito levadas pela maré.
Buscando em vão derramar-se um no outro,
Fitando o agora de minha imagem, encarando-a como um estranho,
Nas marcas de um corpo ausente, tentando pescar traços de você em mim.
Mas que marcas? Que traços? Se juntarmos todas essas poesias, o que nos restou?
Cicatrizes que rabiscam a pele nesse devir-nós, prometíamos com os olhos lambuzados de desejo.
Aquilo que per-dura na duração é o que seria marcado de amor, nos dirá um romântico nostálgico.
A labareda que queima com o arder entoante da desilusão, poetizará um bêbado apaixonado.
Mas também, a força que des-transforma tudo que existe, lembrarão os antigos cosmonautas.
Que dancem pra lá, esses joãos, e marias, todos os amantes dos amores afins.
Mancantes sem sabor, que navegam no vagar carente dos atores,
Que confundem o amar com o Amor, o pote com o mel,
enroscam-se junto aos espectros de multiformes querubins,
De crias marinhas às náiades diônicas todos deliram, cantantes, fertilizam-se qual pólen das flores.
Ah! As flores...essas lindas flores.
Elas são sem porque e pudor,
Indagantes de si mesmas, perguntam aos seus polinizadores visitantes:
Qual é o cheiro meu? Que gosto tem meu odor?
Lindas flores, não se esqueçam que o amanhã sempre será inferno primaveral
E as pétalas róseo-rubrantes, tingidas de um coreio inebriante
Cores e cheiros para atrair, a-trair com néctar de si próprias,
Aqueles outros que fingem, assim como as flores, que se querem
Querentes de si, para querer o outro como a flor só e plantada no seu jardim.
Pois até as pétalas das flores caem, decompõe e seca...
Mas pelo que as flores morrem, tu perguntas,
Para que serve todo esse esforço, toda essa beleza impoetizável,
Aonde se encontra o prazer do amor dos amantes, do adora-dor incompreendido,
Das paixões separadas e dos fins de semana quentes de verão?
Em troca de que favor os seres viventes se animam tanto com tudo isso?
E com o silêncio que lhes foi imposta, de nada adiantará indagar às flores,
Calam tanto aos humanos que a milênios somos, nós e elas,
Atraídos por esse nosso mútuo-desconhecido se perder.
Poderia assim, talvez por um delírio mortal de amante,
Concedido por perseguir a beleza sempre-distante.
Algum erótico possuído podia assaltar-nos com mitos amorosos,
sobre algum herói que tenha sobrevivido ao Amor.
Visto de perto suas argúcias, poções e estratégias,
Apreendido de súbito o mistério último de Afrodite,
Somente para nunca mais dela ser tramado.
Nem que seja um vislumbre do traje maldito e delicado, um só fio mesmo,
Dessa fina-espermante figura atravessada desse eterno co-rresponder.
Que as nódoas existentes entre aquilo que ainda não vimos e nem esquecemos,
As trágicas amarras mortais de escravos que as Eríneas nos impuseram,
Ao mando das obscurofundas Moíras do caos-semblante.
Não são mais do que a própria matéria se assentando e deslocando,
Para assimilar por reminiscência cósmica desse fundir frenético de éons,
A perspecta aventura de crias recém-despertadas para o sofrer,
O sofrer que é a matéria própria desse autonomizar-se em consciências materiais,
Que se perseguem até se descobrirem como culpadas de seu próprio esvanecer.
Essa entropia dos amores, esse desgaste sintonizado no ritmo pulsante do viver,
É isso que mata, destrói e desassocia os amores do Amor,
Dentro dessa batida sempre-contínua de uma potência hipno-dinâmica
que é o amar igual a frequência do sofrer, pois daqui se responderia por onirologia,
que o “porque” do amar das flores é o mesmo que o prazer de morrer.