até que meu cigarro apague

Eu prometo amá-la e respirá-la, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, até que meu cigarro apague.

A fumaça se dissipa e se perde. E me perde.

É mais ou menos como ela

É matéria.

Dá vontade de envolver na conchinha das mãos como uma brincadeira de criança. Quando vê, já foi. Além do cheiro, não sobram muitos resquícios de que ela esteve ali. A fumaça.

É como ela. Me ajuda a respirar melhor mesmo sendo o principal motivo da minha falta de ar.

E ela não se despede. A fumaça. Se espalha pelo espaço, se embaraça com o vento, me embaraça junto com ela. E me estraga a cada tragada.

Que dure o tempo do meu cigarro, mas que seja intenso enquanto aceso.

Que seja leve enquanto o peso do corpo estiver em minhas costas

Que seja livre a servidão voluntária

LIBERDADE É PODER PARAR QUANDO QUER

O que eu faço quando o vício que ela causa é maior que o meu medo de morrer.

E quando o beijo não sufoca o suficiente? Eu recorro a ela.

Inspira, expira, sufoca, traga, sufoca, pira.

Que dure o tempo do meu cigarro acabar, mas que seja pleno enquanto o veneno não mata.

(substâncias do cigarro)

O cigarro tem mais de 4700 substâncias e nenhuma delas tem seu nome.

E pra que substância mais tóxica que você?

A fumaça engole, resseca, sossega, esconde e embaraça toda a angústia e o descontrole do ser humano.

E não dá pra ver nada. Só ela. A fumaça.

Ela disfarça.

O cigarro quando aceso é liberdade encarcerada.

É ver o mundo sem pressa. Mas presa... a ele... a ela

Quando a fumaça vai embora e o mundo se desembaça, vem à tona toda a angústia escondida pela nuvem que ela provoca.

Que dure o tempo do meu cigarro, mas que seja intenso enquanto aceso.

E quando tá chegando o fim, a pontinha mostra a dimensão da minha dependência que ficou oculta enquanto eu a beijava.

Eu mais presa que a fumaça na boca, e ela mais livre que a fumaça no vento.

Quando aceso, ela dança pra me distrair. E funciona

Ela dança com a brisa no ritmo do tempo.

Foram 300 caixas desde que você apareceu.

Uma por dia.

E o último beijo foi como a última tragada.

Quente e cheio de culpa.

Me deixou sem fôlego. e com vontade de outro maço.

Foram trezentas caixas jogadas fora. Seis mil cigarros degustados. Seis mil guimbas em lixos aleatórios pela cidade. Cada um com uma dor diferente pela a mesma pessoa.

“Por favor, moço, me vê um maço”... E assim foi abril, maio, junho, julho, até o último natal. 10 meses de pura fumaça.

Que o efêmero continue me vestindo. Me servindo. Que cada riso, cada beijo e tragada desesperada valham à pena. Ainda que durem apenas alguns minutos.

Amém.