UMA VELHA NOVA HISTÓRIA

Eu me lembro.

Era uma noite nublada de junho.

O local? Fortaleza, CE.

Eu estava num barzinho chamado Boutique do Carro (ou seria do automóvel?), lá na avenida Jovita Feitosa.

O “forró” troava há mais de uma hora, e a minha cota já tinha ido para o espaço há muito tempo. Eu estava incomodado, de saco cheio. Arre! Quem foi o gênio que convenceu todo mundo que isso que se toca por aí é forró? Se pelo menos a banda tocasse um pé de serra...

Mas eu estava lá, sentado, tentando entender o que fazia ali acompanhado e me sentido só.

O relacionamento estava em crise, e eu cansado como ela.

A conversa já não era de um casal. Parecíamos dois estranhos que começam a se conhecer, ou dois velhos conhecidos que tentam se despedir sem saber como.

Em nossos olhos brilho já não se via, e os pensamentos eram os mesmos:

Onde estão os outros que não chegam para amenizar esse clima?

Eu me lembro.

De repente parecia que alguém me chamava.

Para a entrada olhei, e a vi chegando com uma amiga.

Meu olhar acompanhou cada passo dela, e percebeu que ela notou.

Certas coisas não se explicam, e alguns chamam de destino.

O fato é que a mesa dela ficava diante da minha, e eu não sabia como agir.

Eu nunca fui um “galinha,” eram 17 anos de relacionamento, mas tudo passou a ser pretexto para o meu olhar buscar por ela.

Eu sentia a moça ruiva incomodada.

No fundo eu também estava, e me perguntava:

Por que isso? Onde estão os outros que não chegam para amenizar esse clima?

Meus amigos chegaram, e por um instante me senti aliviado imaginando que eles conseguiriam fazer com que minha atenção deixasse de ser, mesmo que disfarçada, para a ruivinha que me encantava.

Mero engano.

Sentia-me importunando, mas continuava a busca-la com o olhar.

Sim, ela estava incomodada.

Vi quando conversou com sua amiga e foram procurar outra mesa.

Eu me lembro.

Não sabia mais onde ela estava.

De repente, por baixo da mesa, o cutucão de minha amiga, acompanhado de um discreto sinal com a cabeça, me mostrando para onde olhar.

Olhei, e percebi que meu olhar não era o único a procurar pretextos.

O dela também me buscava, e ao se ver descoberto, se fez acompanhar de um sorriso tímido que se encontrou com o meu sorriso.

Certas coisas não se explicam.

Destino? Não sei, mas o número do telefone dela chegou às minhas mãos.

Eu liguei, e fui encontra-la.

Uma conversa gostosa, e nada mais além do desejo de novamente com ela estar.

Veio o segundo encontro, veio o terceiro, e a certeza que algo estava acontecendo.

Conversávamos, riamos, ficávamos cada vez mais juntos e, de repente, o primeiro carinho, o primeiro beijo, e nada mais.

Tudo era diferente, e nossos corpos não precipitaram nada.

Mas a entrega veio – dela e minha.

Ela sempre soube da minha situação, sempre respeitou, e aos poucos, sem que eu percebesse, tomou conta de mim.

Os dias passavam, e os meses corriam.

De um lado um relacionamento em crise; de outro, ela e tudo de bom que me dava – carinho, conforto, compreensão, cumplicidade, amor... sem cobranças.

E a minha ficha caiu.

Não era justo.

Eu não podia continuar sendo tão egoísta.

Ela não merecia minhas idas e vindas movidas pela comodidade.

Sim, tinha passado a ser cômodo.

Eu mantinha as aparências no casamento, e sumia nos momentos de “paz,” deixando minha moça sozinha.

Quando a crise vinha, eu sabia onde ficar bem, e ia para os braços dela.

Ela tinha desejos tão simples, tão comuns, tão compreensíveis, e mesmo assim nunca me disse, nunca me cobrou... sempre me aceitou.

Ela só queria poder ter noites comigo, e não momentos nossos em um motel durante as tardes, quando eu pudesse dar um jeitinho; ela só queria poder estar comigo nos finais de semana; ela só queria poder ouvir os amigos cantarem “Parabéns pra Você” em outubro, me vendo entre eles, partir o bolo, e me entregar o primeiro pedaço; ela só queria poder pelo menos uma vez me abraçar e dizer feliz Natal, ou feliz Ano Novo, e não ter que se conformar em ligar para o meu celular, e ouvir minha voz disfarçada, quase que escondida, apenas agradecer.

Ela queria tão pouco...

E, por mais que eu tentasse ser cínico no dia seguinte, fingindo não perceber, sentia a tristeza dela com essa situação ser colocada de lado, me fazendo ter carinho, conforto, compreensão, cumplicidade, amor... sem cobranças.

Quantas vezes em seus braços ouvi frases como “eu te amo, moço;” “Eu só quero cuidar de você;” “Eu vou estar sempre te esperando, Mauricio.”

Eu só olhava para a minha moça, e me deixava levar pelo seu amor.

E, quando pensava em falar o que ia fazer, ela acariciava meu rosto e dizia:

“Não fala nada, moço. Eu sei que você vai fugir de mim. Mas eu te amo, e vou te esperar.”

Depois me dava um beijo, me olhava sorrindo, tentando esconder as lágrimas, e dizia:

“Mas não fica convencido não, viu moço?”

Ah, minha moça...

Já não existiam segredos em mim que ela não desvendasse.

Um após outro, os meses formaram anos, e eu era feliz ao lado dela.

Eu era feliz, eu amava, eu era amado.

Mas eu também era homem, mortal, com fraquezas, erros, defeitos, medos... e, como a moça havia previsto, eu fugi.

Da despedida guardo a imagem da minha moça acariciando meu rosto e tentando sorrir como sempre fez, mas sem conseguir por causa das lágrimas em seus olhos.

Ela olhou em meus olhos e seus lábios tentaram dizer o que eu sempre soube.

Então, da mesma forma como ela me ensinou, eu disse:

Não fala nada, moça. Eu sei, eu sinto.

Ela conseguiu sorrir, me deu um beijo e disse:

“Então vai, moço.”

Depois saiu caminhando triste, sem olhar para trás.

E o moço foi.

Saiu da cidade, acertou, errou, riu, chorou, venceu, perdeu, se entregou, amou... se machucou.

E o moço continuava indo...

Um dia, de socorro precisou, e depois de ouvir “não posso,” com medo para a moça ligou, depois de tanto tempo.

Ao atenderem ao telefone ele só conseguiu dizer alo. Mas, para surpresa dele, ouviu:

“Oi moço, que surpresa boa!”

E o moço teve a moça novamente com ele.

Apesar dos seus erros, o moço teve o socorro de palavras como precisava.

E mais palavras chegavam a cada ligação que ele fazia, a cada ligação que ele recebia.

E, em cada palavra, como se o tempo tivesse parado, a moça continuava dando carinho, conforto, compreensão, cumplicidade, amor... sem cobranças.

O moço tentou contar toda sua história, e ouviu a moça dizer:

“Não fala nada, Mauricio. Você fugiu, mas eu sempre te acompanhei escondida na distância. Eu chorei, sofri, tive raiva, mágoa, vontade de esquecer, mas sempre te amei, e o meu amor é mais forte que tudo. Não foge mais de mim, moço. Vem, ou me deixa ir para enfrentar e superar com você. Me deixa fazer o que eu sempre quis, moço. Me deixa te amar e cuidar de você.”

E o moço... chorou.

Agora, ele para sozinho diante das lembranças e do sentimento que guarda com carinho dentro dele, abre a janela e vê o dia trazer sua sombra de volta e dizer:

“Vai, meu companheiro. Segue novamente com tua sombra em direção ao teu passado, que vem se fazer presente, para te salvar do passado.”

15/07/07

Balbueno
Enviado por Balbueno em 19/08/2007
Código do texto: T613759