O Ritual

Sangrando, caminho até a porta do inferno. A abro e sinto o mal. Paredes negras e uma luz central me abraçam com uma melodia mortal. Espelhos cortados com lençóis brancos por cima se encontram em cada uma das paredes do quarto. Me aproximo enquanto meu sangue, minha dor e minha essência escorrem das entranhas do meu corpo. Chego a luz central e grito de dor, os lençóis caem e agonizo, dando início ao meu ritual.

Cada espelho me reflete e sou horrendo. Cada espelho me reflete em suas superfícies entrecortadas e um sorriso diabólico se forma em cada projeção minha. Enquanto deixo-me fluir dentro do ritual ao qual me escraviza, debulho em lágrimas porquanto sei que a verdade é crua e dura.

A luz então se expande enquanto meus vários Eu’s riem de mim e sinto a maligna presença de mim mesmo, me fazendo cair de joelhos em dor.

Nunca desejei minhas cicatrizes, mas já as tenho desde o útero e o grande Deus ouviu meus gritos de agonia enquanto vinha ao mundo que jamais me quis.

O ritual então prossegue e me rastejo pelo quarto até entrar na mais profunda escuridão, onde só então posso me enxergar claramente. Somente no reflexo profano posso me eternizar. Somente no meu fim posso então encontrar-me.

No escuro então fluo como um mar vermelho e o quarto então se preenche, ondas se formam e deformo a gravidade do local. As risadas se intensificam e meus ouvidos sangram.

Meus reflexos saem finalmente dos seus lares e caminham em minha direção, param em frente a mim e cercam-me, enquanto de joelhos imploro por redenção e perdão próprio. Em um ato desesperado me encolho e com meus últimos suspiros flutuo em suplicio. As risadas param e eu fluo como nunca jamais me permiti. Então me rendo e desabrocho pela primeira vez de milhares, meus reflexos me possuem enquanto beijam-me, os espelhos caem e estilhaçam-se, o meu sangue em ferocidade ruge. O tempo para e deixo de envelhecer, me torno imortal e de um brilho vinho misterioso. Volto ao útero e nasço mais uma vez entre tantas.

Quando finalmente abro os olhos não há mais escuridão e nem espelhos nas paredes. Tudo está limpo e perfeito, enquanto o dia floresce. O ritual havia sido concluído e as minhas cicatrizes fechadas, até o próximo desabrochar que em um ciclo infinito estava por vir.

Klethon Gomes
Enviado por Klethon Gomes em 15/08/2017
Código do texto: T6084238
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