LIVRE ESCOLHA

Desperto, solto no ar, vou-me feito vento. Agito meus cabelos brancos contra o sol fugitivo. Sou nada mais que uma cabeça, ou apenas a abstralidade de um pensamento. Minha carne podre ficou esparramada na Terra ingrata que, embora muito amei, igual as mulheres, não me ofereceram tempo suficiente para explicações. Entrego-me ao Divino para elevar-me espiritualmente. Também me ofereço à Terra para obter a chance de nascer outra vez, mais limpo e mais sábio. Ou, desta feita, mais puro e mais simples, sem necessidade de questionar os acontecimentos da vida.

Vai ser difícil saber quem sou. Se me desejar procure-me dissolvido nos grãos de areias do deserto ou em carrosséis de fogo. Não me cruzando na primeira tentativa, não desista. Em algum lugar espero por você. Por ora sinto-me dividido uma vez mais, sem saber quem sou. Posso estar no vôo coordenado do bando de pássaros retirantes planando mansamente nas tardes de outono, ou ser o menino salvador a completar o número da prole miserável da mãe prostituta que atende exigências superiores. Posso ser homem ou mulher, ou nem sexo ter, sendo anjo ou demônio.

Se você confiar eleve-se e agarre minha mão. Voe ao meu lado serenamente e sinta o prazer de aspirar a brisa doce da relva em flor. Se quiser, livremente, fique este dia e esta noite comigo. Ou o resto de sua vida, sem exigências ou refém de qualquer compromisso escrito ou falado, e obterás a doçura do perdão em qualquer de suas transgressões. Assim, permanecerá amada e jamais oprimida. Se se sentir tentada, enxerte-se em mim, e nas explosões de felicidade à flor da pele, conhecerás a multiplicidade do ser. Minhas palavras serão sempre interrogativas acerca dos idealismos e sentidos da vida. Ficando ao meu lado passará a questionar a respeito do real e do irreal e suas palavras passarão a ser, também, divididas e interrogativas.