Teologia das Aranhas
São as pequenas coisas da vida que nos dão como dádivas os melhores instrumentos para sermos felizes. Assim, por trás dos bois que ruminam esperança, pus-me a refletir: a fé é como a teia de aranha.
Uma das vantagens de ser vizinho da natureza é garimpar nas suas pequenezas as grandezas da vida. Das aranhas não podemos extrair somente o vestido de Narizinho, mas delas aprender lições de teologia. Pus-me então a fazer o serviço preguiçoso dos bois, que caminham sem relógios ruminando a esperança.
Teias de aranha são como a fé. Pensei até que estava variando sob tal afirmação que escapou as mãos da censura. Mas porque não jogar a pedra no poço se nada haveria de perder, senão alguns vegetados minutos muito ocupado em nada fazer? Vi-me diante do fundo sem fundo que a tantos consumiu em verborragias. Paraquedistas dos tenebrosos pântanos, onde, de vez em quando, se pisa sob solo firme. Semelhante as aranhas, somos lançados à fatigante missão de viver sob a teia. Delicada e forte simultaneamente, assim como a fé, a teia é território onde só a tecelã pode trilhar sem tornar-se presa. Uma fé sem a luz da razão, desemboca num desmedido pieguismo. Pela necessidade de manter firmes as ágeis patinhas, assim como sobreviver, a catita aracnídea não tece durante o reinado do Sol. Assim, enquanto submergidos nas preocupações, somos arrastados pelos bosques da vida como corcéis domados. Contudo, quando um acidente de percurso estagna nosso desenfreado marchar, sentimo-nos surpreendidos pela escuridão das noites da vida. A luz é fraca, o silêncio é alto e, neste cenário, é que nos resta construir as delicadas teias da fé.
Trilhamos realmente um caminho estreito, sim. Mas algo na fé não nos deixa parar de caminhar. Quando finda a esperança, morrem os ideais, vive a fé. A esperança e os ideais trabalham no território da certeza, a fé trabalha pelo avesso. Os olhos da fé são cegos, porém, mesmo que balancemos, tropecemos, vejamos arrebentados os últimos fios da teia da fé, há algo incompreensível e surpreendentemente infindável que nos anima a recomeçar sempre que necessário. A poesia da vida com certeza mora no limiar onde tropeçamos pelo cansaço.
Outrossim, nada mais havendo a tratar, volto a cena da aranha. Silenciosa e imóvel, esperando pela providência sempre incerta dos mosquitos acidentados. Simples, frágil, mas incompreensivelmente útil!