Os meninos do meu bairro - capítulo 3
Nas vésperas de reassentamento, vinham, entravam e circulavam no interior do bairro caras entranhas ora brancos, ora chineses, por vezes acompanhados de gente como a do meu bairro, gente preta mas que não falava nossa língua, falava língua dos outros, pois sorriam com os brancos – chineses (investidores). Por onde passavam, criavam ruelas dos seus carros di-for-dis (4x4) que usavam para se locomover, às vezes se faziam a pé nos pequenos troços inlocomovíeis.
- Uau! Que carro lindo e forte! – Exclamava Tingotiane, o menino mais assanhado do meu bairro.
Os outros meninos viravam múmia de tanto espanto. Pois lá no meu bairro, nunca haviam visto gente da cidade, nem se quer havia visto meios de locomoção que eles usam nesta era tecnológica, era do mundo virtual, e nada real. So imaginavam a existência do bendido m’thorothoro que lhos trazia pao de cada dia, que vinha da cidade – o além.
- Olha como eles são idênticos! – Exclamava Utseani
- Devem ser irmãos do mesmo pai e mesma mãe – correspondia Nkhege
Os meninos espantavam-se com as pessoas que não eram da nossa gente, cheios de sorrisos com seus dentinhos amarelos que nunca lhes foi passado uma pasta de dente, desde que pousaram na terra como moscas, enquanto os estranhos, a gente semelhante, os brancos, os chineses, se orgulhavam de ver a grandeza do universo.
- Este mundo tem muita coisa! – Murmurava Young na língua dele
- De facto! Tem gente que não tem vida, meu senhor! –Dizia Vongyu
Cada qual falava língua dele.
Depois de um dia muito trabalhoso para visionários e espantoso para os meninos do meu bairro, foram eles lá por onde vinham. Já havia certificado, que aquela gente pobre, analfabeta, que só vivem a vida, pois os seus espíritos lhes poupa a morte, dormia, brincava e vivia por cima de um tesouro.
Poucas semanas depois das conversações de como seria daquele dia pra diante, chegou-se a conclusão de que aquele povo do meu bairro tinha que ser reassentado em um outro local com direito há uma remuneração de 1000, 00mts (mil meticais), que nem cabia comprar pelo menos um mata-bicho, ou um, lanche, em plena crise financeira que assola o país do pandza, onde tudo subiu até às alturas do monte Binga.
É verídico que o tesouro (oiro) vale mais que uma vida. Pouco que era a remuneração, aquela gente do meu bairro não merecia mais que mil meticais, pois nada tinha valioso, pra além de algumas palhotas sem camas, nem cobertores. Dormem no chão, às vezes na época da colheita o bairro fica deserta, pois dormem nas machambas e comem da colheita. O bairro fica sem ninguém para tomar conta dele, além os espíritos ancestrais de que tanto veneram a tempo inteiro.
No dia da reunião, fui eu incumbido a interagir com aquele meu povo que o havia deixado para atrás para fazer uma vida da cidade, pois não queria ser como eles, onde a vida é cultivar a terra e conferir seus criados pelas corres.
- A nobreza faz – nos esquecer das nossas origens – falava no seu íntimo a vovó Malumbete.
Quando subi ao pódio, gerou-se um momento de silêncio profundo como se o mundo espira-se ou dedicando-se um minuto de silêncio pelos ente-queridos perecidos a bastante tempo e esquecidos nos escombros da terra.
A vovó Malumbete agasalhou os meninos do meu bairro no tom baixinho, murmurando na sua língua, que eu mal percebia, pois vivera fora por muito tempo.
- Meus filhos, veêm naquele senhor ai em cima, é vosso irmão, nasceu e passou sua infância aqui nestas terras fecundas.
- Jura vovo? – Perguntava espantosamente Tsakani
- É verdade, meus filhos. – Replicou a vovó Malumbete
- Como ele foi viver com aquela gente doutra cor? – Perguntava Ci-pevu em um tom de empasmado.
- É uma bencao, meus filhos. Há muito tempo atrás saíra com o m’thorothorista para viver para cidade. Foi lá onde ele estudou e ficou gente grande, gente que respira mesmo ar dos brancos, gente de outra cor, filhos. – Respondia vovó Malumbete com exatidão.
Ostentavam um orgulho ao saber um pouco de mim naquela altura, aplaudia e cantavam inculunguanes pra mim. Mas, eu não era celebridade, não, estava apenas de serviço.
- Eu também quero ser como ele quando crescer. – dizia Nkhege copiosamente.
O que levantou uma poeira de zombaria e largos risos, pois Nkhege já era tao crescido que nem eu. Nos seus 16 aos já se parecia meu irmão mais velho, pela estatura e massa corporal que lho espelhava o esqueleto.
Fui directo ao assunto da reunião. Mal eu fala, mas, expressei-me na nossa língua Cicope misturado com um pouco de C’yao, língua de outros povos de lá do norte, o chão dos Matakas, como nós.
Logo depois de proferir o destino daquele povo e daquela terra, choveu um alívio torrencial, dançavam, aplaudiam e vuvuzelavam o meu nome, que até os perecidos podia ouvir sem se quer perceber que era o início de uma nova maldição pra além daquela que já haviam habituado na zona. .
– Obrigado filho por nos trazer a cidade. – Bendito seja o vocelencia ( Vossa Excelencia), Senhor, nosso filho, nosso irmão de sangue da mesma terra. Agora sim, corroboro, bom filho sempre volta a casa. Se não se volta, sempre lembra-se donde vem. – Clamava com euforia o meu povo.
Os irmaos brancos que fazia parte da comitiva que ia se reunir com o meu povo, já percebia da euforia que se via no momento, que esta tudo acertado. Também não se podia negar as ordens dos superiores numa burocracia regada e adubada como esta entre nosso cotidiano, em que gente como a do meu povo é útel quando é pra se usar do seu indicador (eleição), daí nada mais lhes sobra pra além de ser população como ela é desde a genese.
O menino Tingoteani pediu a palavra, para se expressar em nome do meu povo.Demos apenas um minuto para ele se expressar, pois nossos trabalhos são cronometrados mesmo de relogios quebrados. Tomando da palavra, Ele, foi muitíssimo sintético que expressou o sonho do meu povo, em, somente, trinta segundos.
- Queremos escola, para estudar como vocelencia (Vossa Excelencia) – dizia Tingoteani o sonho do meu povo em língua local. Sem delongas, acolhi o desejo e repassei aos irmaos de outra cor com um pouco de capricho, uma vez que o exalar do nepotismo é nosso carater por entre as artérias em que eu me encontrava.