OUTRAS PRECIOSIDADES (56)

NERUDA/1

Fui a Isla Negra, à casa em que foi, que é,

de Pablo Neruda. Era proibido entrar. Uma cerca

de madeira rodeava a casa. Lá, as pessoas

tinham gravado seus recados para o poeta. Não

tinham deixado nenhum pedacinho de madeira

descoberta. Todos falavam com ele como se

estivessem vivo. Com lápis ou pontas de pregos,

cada um tinha encontrado sua maneira de dizer-

-lhe: obrigado.

Eu também encontrei, sem palavras, à

minha maneira. E entrei sem entrar. E em

silêncio ficamos conversando vinhos, o poeta e

eu, caladamente falando de mares e amares e

de alguma poção infalível contra a calvície.

Compartilhamos camarões ao pil-pil e uma

prodigiosa torta de jaibas e outras dessas

maravilhas que alegram a alma e a pança, que

são, como ele sabe muito bem, dois nomes para

a mesma coisa.

Várias vezes erguemos taças de bom vinho,

e um vento salgado golpeava nossas caras, e

tudo foi uma cerimônia de maldição da ditadura,

aquela lança negra cravada em seu torso,

aquela puta dor enorme, e foi também uma

cerimônia de celebração da vida, bela e efêmera

como os altares de flores e os amores passageiros.