A viagem de Dadino de São Gonçalo-PB a Cabaceiras-PB na seca de 1915
Dadino era um rapaz avesso à frouxidão e o pai sabia bem disso. Sendo assim, quando entra o ano de 1915 e uma pavorosa seca faz morada no sertão, expulsando e desfalecendo grande parte do seu povo, como bem dissera Raquel de Queiroz, Manoel Félix ordena uma missão (quase) impossível para o filho, então com 18 anos. Determina que, diante das enormes dificuldades com o roçado, ele viaje até Cabaceiras, próximo a Campina Grande, a fim de conseguir um empréstimo de uns trocados com um compadre dele, para a família atravessar a estiagem. Inicialmente, a dura missão havia sido imputada ao primogênito, João Félix. Entretanto, como este havia casado recentemente, pediu ao pai dispensa do sofrível encargo.
Não bastassem a seca hedionda, a inexistência de estradas e o desconhecimento do caminho e destino, a viagem de quase 700 quilômetros, ida e volta, teve que ser derrotada a pé, pelas selvas da caatinga, sem nenhum centavo no bolso, atravessando vilas e povoados, seca e dor, miséria e abandono. Orientando-se apenas pelo sol e pelas estrelas, seguiu o seu caminho. Semblante tenso, mas sem reclamar.
A caatinga, aparentemente desabitada e inóspita, reservou ao jovem desbravador uma recepção amistosa. Vez por outra, era saudado por mandacarus e xique-xiques. As palmas, nitidamente gentis, o aplaudiam. Os juazeiros, umbuzeiros e jatobás ofereciam-lhe frondosas sombras e suculentos frutos. As lagartixas nunca lhe negaram cumprimentos positivos com a cabeça. As cigarras anunciavam, exultantes, a sua passagem com uma cantoria harmônica de 120 decibéis. Já a onça parda passou por longe, sem cortejá-lo. Mas sua fama era conhecida na região. Era um felino arisco, antipático e mal-educado. Não gostava de estranhos.
Embora sem acompanhante na longa viagem, Dadino nunca se sentira sozinho. Durante o dia, era escoltado de perto pela sombra, projetada por um sol em alta combustão. À noite, confabulava com mosquitos e pernilongos até altas horas. Quando o sono chegava, pouco antes das aragens da madrugada, ajeitava o aromático travesseiro confeccionado por folhas de eucalipto, cobria-se com a lua e adormecia, ouvindo ao fundo o estridente canto dos grilos.
Certa noite, depois de um dia inteiro de caminhada, bastante cansado e faminto, pede abrigo em uma modesta e isolada casa, no meio do nada, nos limites das jurisdições do sertão. Os moradores, bastante receptivos, ofertam ao jovem viajante um avantajado e calórico prato de comida e uma confortável rede de chita armada no alpendre. Tudo levava a crer que aquela seria sua noite de luxo.
Todavia, no correr da madrugada e já atingido por um sono profundo, Dadino é surpreendido com uma contundente lambida de vaca na sola dos pés. O susto é tão grande que ele salta de cima da rede aos gritos, ocasionando um susto ainda maior no animal, que corre e saltita desesperado. No final, percebe-se que os dois, homem e animal, numa cumplicidade involuntária, acabam destruindo o alpendre alheio.
E assim, sob uma bravura exponencializada e com a anuência da sorte, se passaram dias e noites, até o fiel cumprimento do encargo...