TECENDO O LUSCO-FUSCO OU JARDIM DO PUXA

Para João Cabral de Melo Neto

1 

 

Uma cigarra sozinha não tece um lusco-fusco:

ela precisará sempre de outras cigarras.

De uma que apanhe esse canto que ela

e o lance a outra; de uma outra cigarra

que apanhe o canto de uma cigarra antes

e o lance a outra; e de outras cigarras

que com muitas outras cigarras se cruzem

os fios de tarde azulada de seus cantos de cigarras

para que o lusco-fusco, desde a sua teia tênue

se vá tecendo entre todas as cigarras.

2

 

E se encorpando em tela, entre todas,

se erguendo tenda, onde entrem todos,

se entretendo para todos, no toldo

(o entardecer), toldo de um tecido tão ígneo

que tecido se crepuscula por si: Luz bolão.

Inaê Sodré
Enviado por Inaê Sodré em 31/10/2016
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