Pústulas 
 

Estamos no quarto chopp e Maria Clara continua falando sobre Ariel. A noite começou bem e parece caminhar para um fim dramático, pelo menos para mim que me trancarei em meu quarto com uma seringa na mão e o braço pronto para o pico. Maria Clara é uma antiga amiga por quem nutro certa paixão descabida. Ela não tem nada de atraente, a não ser os trejeitos meigos e olhos ingênuos de corça. Todo resto é meio aguado, frio e sem sabor, mesmo assim, há alguns anos conservo grande paixão por ela. Algo que aumenta de tamanho conforme o tempo passa, como pústulas que ao invés de secretarem pus, soltam lágrimas todas as noites.

Ela e Ariel namoram há muito tempo, brigam bastante, mas sempre estão reatando. Já não tenho esperanças de ter algo com Maria que não seja essa amizade oportunista onde ela aluga meus ouvidos para choramingar sobre suas mazelas e eu bebo um pouco da sua companhia como posso. Aceito o que ela me oferece, mesmo que seja muito pouco, menos do que preciso. Vivo sedento por Maria, ela nem percebe, ou finge que não nota meus olhares de cão fiel e dedicado.

- Então, ele me ligou ás 3 da manhã, bêbado e arrependido, não tive como não atender e ficar ouvindo. Ariel consegue ser um crápula algumas vezes, mas quando está bêbado e vulnerável parece um garotinho. É de dar pena mesmo...-

As palavras dela são as mesmas do mês passado, continuarão sendo as mesmas daqui algum tempo. Estamos presos nesse eterno deja vu emocional. Ariel não ama Maria, ela ama ele, enlouquecidamente, e eu a amo com toda força do meu espírito. No fim das contas, ninguém me ama, e acho mesmo que ninguém ama ninguém. Apenas estamos brincando dessa coisa há anos, acho que para passar o tempo. Criamos essas pústulas lacrimejantes que nomeamos de paixões, amores, almas gêmeas, só porque estamos meio desesperados por sensações fortes.

Maria por fim levanta-se e vai ao banheiro. Observo seu quadril gingar, seu longo pescoço e o corte de cabelo muito curto. Fico imaginando nós dois juntos, me sinto como um colegial e já estou na casa dos 30. Bebo mais um chopp que o atendente deixa na mesa e a imagem de Ariel assalta minha memória. Ele é bonito de uma maneira que insulta alguém como eu, desprovido de atrativos físicos, um rato de laboratório, insosso e desinteressante. Ariel não, ele tem uma beleza selvagem digna de James Dean.

O cabelo revoltoso e os olhos de tigre ferido. Tudo nele é intenso, começo a compreender a loucura de Maria por ele, há certo magnetismo. Claro que sinto inveja de Ariel, apesar de ser mais inteligente e esperto que ele, mas essas características nunca me levaram a lugar nenhum se tratando de mulheres. Começo a acreditar que todos estão em buscas de olhos ferinos como os de Ariel, mesmo que ele seja um homem temperamental e grotesco por natureza.
Ela retorna, esguia como uma corça, e consigo visualizar ela e Ariel em momentos íntimos. Estou arrebentando minhas pústulas emocionais através da imaginação destrutiva. Os dois transando como dois animais, um tigre selvagem no enlaço da leve corça. Eu me sinto um anfíbio que não sabe direito se vive na terra ou na água, mas que fica observando esses grandes animais coexistindo. Alheio a tudo, mas almejando ter presas ou pernas fortes.

- Luan? Luan? – ela me chama. Estou hipnotizado pela imagem do dois em minha mente, volto a mim e dou um sorriso sem graça como sempre.
- Onde você estava? – ela sorri de um jeito muito tímido. Não respondo nada, e percebo que desde que chegamos ao bar não abri a boca para falar nada. Maria fala por nós dois, é desenvolta e cheia de assuntos. Bebo mais um pouco da bebida que já não faz efeito, não fico bêbado e estou tentando ficar há dias. Ajeito meu óculos sobre o nariz, tudo em mim parece fora do lugar. Esse nariz que não me pertence e esses olhos que não conseguem deixar de fitar Maria, dando uma coçada atrás da orelha. Já sei todos seus tiques e manias, ela se abre comigo sempre que precisa, e ainda assim, começo a notar que somos dois estranhos presos em suas próprias armadilhas de vidas.

- Sabe – digo – acho que você e Ariel deveriam se casar... não sei, oficializar logo esse namoro tão antigo e parar de besteiras. Vocês se gostam e combinam, não dá mais para bancar os pré-adolescentes com discussões juvenis, se é que me entende. –

Os olhos dela brilham, e ela começa a imaginar essa situação de viver ao lado de Ariel, uma sugestão que eu dei e mal acredito que fiz isso. Estou sempre impulsionando Maria a continuar com ele, porque se ela fica realmente solteira eu alimentaria esperanças. Não quero ter esperanças. Meu celular vibra no bolso da calça, é Tatiana. Acho que Tatiana gosta de mim tanto quanto gosto de Maria e ela de Ariel, mas eu não gosto de Tatiana. Ela é um pé no saco, carente e melancólica. Sempre reclamando disso e daquilo, nunca abrindo um sorriso. Se Maria é a claridade, Tatiana sempre foi a escuridão. Não gosto de seus olhos baixos e tristes, de sua pele pálida e andar lento. Ela é feia e enjoada, ignoro a chamada, assim como Maria ignora minhas pústulas. Noto que seus olhos castanhos tão ingênuos toda hora desviam para seu celular sobre a mesa, esperando uma chamada de Ariel.

Ele nunca liga para ela, raramente. Começo a acreditar que Ariel deve estar com outras garotas, porque de todo esse grupo de pessoas que tentam se amar, ele é o único que não ama ninguém. Então, começo a entender o motivo dele estar sempre sorrindo, livre de pústulas lacrimejantes, Ariel, o tigre selvagem, o homem com nome de anjo, jamais amou ninguém. Sinto novamente a onda de inveja, mas abro um sorriso para Maria que retribui, os dois completamente desamparados e perdidos. Cheios de esperanças vãs e carências pulsantes que culminam em pústulas lacrimejantes que se sobrepõe. A noite ainda não terminou, está longe disso, e nossos sorrisos ébrios já parecem completamente desbotados de exaustão.
Larissa Prado
Enviado por Larissa Prado em 26/10/2016
Reeditado em 15/11/2016
Código do texto: T5803648
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