Uma geração de enganados

É a isso que está destinado o amor em nossa geração: muita intensidade e extrema efemeridade. A nós não é permitido sentir, então quando o fazemos é sempre aquele rompimento de barragem movido por toda força da água represada tempo demais. O ritmo da atualidade não dá espaço para momentos de fraqueza, então nos jogamos de cabeça nas poucas brechas que conseguimos cavocar.

O único jeito de nos fazer acreditar é depositar todas as nossas esperanças em algo, pois para nós não bastam meias verdades, meios amores. Fomos ensinados a questionar tudo, logo, qualquer inconsistência é motivo para desconfiança. Fomos criados para ser perfeitos, e, portanto, não toleramos falhas. Já é bastante difícil lidar com nossas próprias imperfeições, que gastamos todas as segundas chances conosco mesmos.

Nossa geração foi treinada para acreditar em independência, enquanto mal percebe que deposita diariamente sua vida e esforço na conta daqueles que ajuntam cada vez mais poder. Sim, somos treinados para servir, acreditando estar no controle. E aos que “não falham” nesse treinamento e alcançam a “carreira dos sonhos” – aquela que sonharam para nós e disseram que nos faria bem – resta a ideia de finalmente serem importantes. Como se alguém realmente se importasse. Como se fôssemos insubstituíveis – até não sermos mais desejáveis; como se a obediência de subordinados fosse a mesma coisa que respeito e admiração.

Não, estamos todos tentando passar na frente uns dos outros. E aprendemos que para isso às vezes temos que nos sujeitar à condição atual. Somos uma geração de atores, ensinados a agradar àqueles que nos podem ser úteis – até não serem mais. Nossa corrida não é uma reta até a linha de chegada; nossa meta trata-se de ascender na hierarquia, para alimentar nosso desejo de sermos importantes. Porque precisamos de intensidade, e pequenas doses nos são inúteis.

Ao mesmo tempo, tudo nos é efêmero. Esse é o ritmo da nossa geração. A cada novo instante há uma atualização a ser feita. Temos que nos adaptar e deixar o passado para trás. Não temos paciência para quem não acompanha nosso passo. E isso tudo nos levou a enjoar-nos de qualquer coisa muito rapidamente. Captar nossa atenção por mais que alguns minutos é para poucos. Nosso interesse perde-se com facilidade.

E por isso, apesar de intenso, o amor de nossa geração não dura. Assim como fast-food, nosso amor é prático, mas não é nada saudável. Não temos paciência de construir bases sólidas, e, assim, não estamos preparados para aguentar nem os menores abalos. Qualquer desequilíbrio é uma falha que nos indica necessidade não de conserto, mas de atualização. O que temos já não serve mais.

E mesmo que não esteja falhando ainda, nossa mente já não foca no que está à nossa frente. Olhando para os lados, não se satisfaz mais com o que tem. Cansou-se. Se precisar, ela mesma criará os defeitos para justificar a necessidade de troca. É sempre assim que, mesmo quando não é, fazemos ser.

Somos uma geração de enganados. Damos tudo que temos por migalhas de ilusões. Lutamos por um ideal no qual nem mesmo acreditamos. E, para nossa vontade, não há linha de chegada; jamais estaremos satisfeitos. Pois é para isso que fomos treinados. É assim que somos mais úteis para aqueles que detêm o controle e brincam com seus fantoches, certificando-se constantemente de que continue sendo assim.

Dancker
Enviado por Dancker em 24/09/2016
Reeditado em 24/09/2016
Código do texto: T5771466
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