CONVERSANDO COM A NOITE

Só para que eu possa começar,

Me empresta um verso teu, Dorival?

É que já “é tão tarde, a manhã já vem. Todos dormem, a noite também.”

E com ela eu estive, enquanto caminhava só, perdido.

No movimento das pessoas procurava um rumo para seguir;

Na alegria de mesas de bares meu olhar parava, e furtivo, para mim tentava um pouco dela trazer.

Em minha cabeça apenas lembranças;

Em meus ouvidos, apenas o som de palavras lidas.

Eu só tinha pedido o socorro de algumas palavras a quem, apesar de tudo, imaginei não me negar. Mas me enganei.

Foi nessa hora que a noite veio até mim, tocando meu ombro e dizendo:

“Vem caminhar comigo.”

E eu fui.

No caminho as horas passavam, e ela apontando para as pessoas me dizia:

"Olha! Esse homem está sozinho, vagando sem rumo como você;

Vê? Essa mulher sofre como você. Quer que o ombro dela eu também toque?”

Respondi que não, e perguntei à noite se ela se importava de ficar mais um pouco comigo.

E ela respondeu:

“Não me importo. Preciso de companhia, assim como você.”

Foi quando percebi que a noite também é triste, e se esconde na alegria de mesas de bares, de rodas de amigos, de casais enamorados, no carinho e na beleza de palavras que chegam até ela.

Caminhamos...

E, a medida que a lua baixava, eu via a noite mais triste.

Até que, quando o dia estava para raiar, uma lágrima correu em seus olhos, e ela me disse:

“Agora tenho que ir, e sei que você me entende.”

Respondi que não, e pedi para que me explicasse. E ela disse o seguinte:

“Você não é o único a quem um encontro, um olhar, um carinho é negado. Nego isso ao dia há mais tempo que você possa imaginar.”

Tentei argumentar:

Mas ele te procura sempre. Por que não deixa ele te ver?

Ela disse:

“Um dia ele também me pediu socorro. Mas não posso, não quero, tenho mágoas, tenho medo. Vou superar, esquecer, ser feliz ao meu modo, mesmo que me arrebente por dentro.”

Depois, esticou a mão, acarinhou meu rosto, secando uma lágrima que teimou em rolar, sorriu triste, e falou:

“Eu disse que você me entendia, não disse?”

Ainda tentei mais uma pergunta:

Você não o ama mais?

E a resposta, por trás de um sorriso, foi:

“Isso não muda nada.”

E se despedindo me pediu:

"Vem me encontrar quando ele se for. Vamos caminhar juntos, e me deixa tocar no ombro daquela mulher para que ela caminhe conosco. Vai ser bom para mim.”

Eu sorri, peguei em sua mão e respondi:

Virei, mas não quero que toques em ombro algum.

Virei e caminharemos. Não os três como me pede, mas os quatro: eu, você, alguém que há pouco chegou com novas palavras, e alguém que apesar do tempo e da distância, soando verdadeira como sempre, disposta a cruzar pontes, superar mágoas, enfrentar dificuldades reais, e tentar ser feliz comigo, em meu socorro vem.

A noite ainda tentou algo dizer.

Mas, colocando meu dedo sobre seus lábios impedi, e disse apenas:

Vai... amiga. Já ficou mais do que deveria, e o dia está chegando.

Mais um carinho dela senti em meu rosto. Depois, a vi se afastando e, tal qual magia, quando a luz do dia se fez, vi a noite me olhar mais uma vez, e depois se esconder, mesmo que em sonho, na montanha que gosta tanto.

Depois, fiquei parado, olhando o dia, e percebi que ele também é triste quando sua brisa meu rosto tocou e pediu:

“Se estiver novamente com ela, diga que a amo... mesmo que isso não mude nada.”

14/07/07

Aqui poetisa, eu cheguei a dizer que meus versos se calariam para você, mas isso foi mais um de meus erros. Sei que eles vão ser mais fortes que a vontade de nada escrever.

E, além das lembranças, ficam também fragmentos de cartas tuas, que muitas vezes me farão gritar o que você já sabe – mesmo que tua montanha, ou tuas mágoas, não te deixem ouvir.

Balbueno
Enviado por Balbueno em 17/07/2007
Reeditado em 25/07/2007
Código do texto: T568897