O inebriante odor da solidão

Ela deixou o apartamento sem olhar para trás. Antes de a porta bater com força eu pude ter o último vislumbre de seus cabelos castanhos. Ela foi embora e, como prometeu, não voltou mais. Garrafas de vinho passam pela mesa da cozinha como prostitutas, deixando apenas a ressaca e delírios de falsa felicidade. Alívio imediato, artificial. Ela não olhou para trás, não se importou com o que deixou para trás. Quanto tempo faz? Não sei. Apesar dos dias serem curtos, as horas são muito longas. Uma semana, um mês ou dois, é difícil dizer. É difícil lembrar. A mágoa afoga as lembranças, turva o tempo, deixa apenas os últimos momentos, os únicos que não se quer realmente recordar.

Hoje eu estou bem, troquei o vinho pela tequila, uma puta mais cara e selvagem. A noite já está alta e nem o uniforme do serviço eu tirei ainda. A puta mexicana já me deixou louco.

- Os Ipês são tão lindos e tristes.

Porra. Ipês?

- Como algo tão lindo pode ser triste amor?

- Olha como as flores caem. Elas mal acabaram de nascer. E caem resistindo, girando, como se não quisessem abandonar a árvore.

Nós estávamos abraçados quando ela me disse isso. Desde então sempre que eu vejo um Ipê florido eu sinto o cheiro de seus cabelos. O inebriante odor da solidão.