Uma conversa estranha

Faz parte da vida isso de tentar se encontrar. Conhecer-se melhor, entender-se. Admitir seus defeitos e estar pronto para tentar ser um pouco melhor sem perder sua essência; descobrir suas qualidades sem inundar-se de orgulho, mas fazer o melhor uso delas, ajudar os outros e a si mesmo. E a gente nunca sabe quando vai se encontrar. Aliás, não acho que seja um momento. É mais um processo que se dá ao longo da vida.

Mas um dia te encontrei. E em ti vi a mim mesma. Vi minha teimosia insistente e descobri que ela não é tão fácil assim de se lidar. Encontrei uma segurança aparentemente serena, mas eu sabia que havia muito mais por trás disso, e vi isso também em ti.

Convencer-te era tão difícil como convencer a mim mesma. E, por entender bem isso de não se deixar convencer, era difícil discordar de teus motivos. Era desafiador tentar se superar em outro alguém. Era como conversar consigo mesmo sem ser na frente do espelho, sem estar sozinho. Em teus olhos profundos, milhares de segredos. Aqueles segredos que não estão esperando para serem desvendados. O tipo de segredo que faz parte de quem você é, que mesmo na conversa mais sincera e aberta permanecerá intacto.

Encontrei em ti meus medos, que não costumam deixar transparecer. Acho que só os vi porque também os tenho. Tuas ironias oscilavam entre “um modo natural de viver” e “pequenos acidentes inevitáveis”. Ah, então é assim que soam minhas ironias...? E tua falta de necessidade de explicar-se, de fazer-se entender, de ser o que esperam que você seja, de cumprir obrigações desnecessárias... tão parecida com a minha.

Era tão fácil para ti ir embora, como sempre o foi para mim. Talvez concordemos que partir é bem mais fácil que ficar. Mas desafios sempre soaram atraentes, desde que fossem capazes de despertar nosso interesse. E despertar nosso interesse nunca foi fácil. E manter-nos interessados nunca foi fácil. E desistir nunca foi a primeira opção, mas mudar de ideia depois de deixar algo para trás não é algo que costumássemos fazer.

Decisões firmes. Pensamentos fortes. Precaução ao permitir qualquer abertura; prontidão para trancar todas as portas. Não hesitar na hora de optar pela mente em vez do coração. Sofrer discretamente e de modo passageiro. As verdadeiras mágoas já estão armazenadas em um lugar muito profundo. E nada mais conseguiu penetrar nesse lugar obscuro. Nossa superfície se renova constantemente, e por isso tornou-se fácil deixar qualquer coisa para trás. Ainda existe em nós um anseio por deixar algo ficar. Não é fácil trocar tudo toda vez, mantendo sempre aquelas bases já tão antigas e pessimistas. Mas todas as tentativas de reforma colocavam em risco a estrutura.

Sempre achei um pouco difícil conviver comigo mesma. Sempre achei um pouco assutador. Um pouco estranho isso de conversar comigo mesma. E foi estranho conversar com você.

Dancker
Enviado por Dancker em 31/03/2016
Reeditado em 26/09/2020
Código do texto: T5590875
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