Paisagens da Alma I
Estou só. Escrevo de algum ponto remoto e frio do universo infinito, jogado à madrugada de qualquer noite, em busca de alívio. Sinto tédio como um sono no corpo. Pesam-me as pálpebras por sobre os olhos ardentes e cansados, espero pelo dia como quem não espera por nada. O silêncio, onde a poeira se deita para repousar, nos cantos dos móveis, é mais agudo e me irrita, cansa-me o ouvi-lo sem ouvir; por entre as cortinas da janela entra sem pedir licença a luz sonolenta da lua, derramando seu espírito no chão do quarto, a idiossincrasia de sua cor sem cor, vazia. O vento passa em algum lugar do mundo, penso nele por não haver de estar aqui.
Sufoca-me o silêncio mudo das formas inanimadas, das formas estáticas, esquecidas, porque me identifico. Sinto-me como as águas de um rio esquecido nas pinceladas de uma pintura em preto e branco. Vou ficando ansioso sabe-se lá porquê, os olhos pedem para dormir, embriagados, bambeando de um lado para o outro, preocupados sem motivos com as horas idas. As cortinas velhas e o mundo padecem resinados pelo espaço que os envolve, como se o próprio espaço fosse alguma substância invisível que os cristalizasse no agora, eternamente. A alma sobe a superfície das palavras para comunicar impressões falsas, meias impressões, já que não sei bem o que estou a sentir e nem tenho por quem esteja a sentir em mim. Apenas sinto. Como uma estátua, afundo como que subjetivamente, lentamente e em agonia, na areia movediça do tédio desenganado pelo tempo, que, com um golpe certeiro retirou-me da alma todo o movimento.
Restou-se apenas o vazio no crânio oco a rolar de um lado para outro na consciência moral de mim, esta que me cansa mais do que o próprio tédio de ser eu neste momento. Escrevo para poder esquecer-me, assim assisto os pensamentos abstratos que passam pelo olhos da alma cansada, carregados pelas mãos do nada, inspirados pelo tédio.