Experiência com o cogumelo mágico!
(décimo relato)
O amigo de São Paulo, idealizador do site Natureza Divina e responsável pelo cuidado e cultivo dos cogumelos sagrados, resolveu conhecer um pouco do Nordeste e trouxe seu filho Caliel para passear na cidade do sol, ficando eu a responsável por apresentá-los às belezas naturais do Estado. Passamos pelas praias de Genipabu, Ponta negra, Cotovelo, Tabatinga, Búzios, Barreta, Pirangi, Tibau do Sul e finalmente Pipa, onde vivenciamos a primeira experiência com o cogumelo juntos; e o inusitado fato de ambos ter espiado o “lado de lá”, o mesmo espaço com outra vibração energética, no qual chamamos morte.
Antes quero ressaltar a importância de Rogério em todo o processo de aprendizado pela maravilhosa dedicação empregada aos sagradinhos, depois minha admiração ainda mais se intensificou com sua bondade de espírito e de imediato, já nos tornamos grandes amigos. Em sua estadia na minha cidade de uma semana, convivendo e viajando pelas praias daqui, conversamos sobre um universo de coisas, literalmente, porque sua carga de experiências e informações é absurdamente maior que qualquer apreciador e pesquisador de plantas enteógenas. De forma que amadureci muito e creio tê-lo feito o mesmo também.
Já estávamos há dois dias na praia de Pipa. Um lugar enérgico, rodeado de pessoas bonitas. Turístico e extremamente rústico. Fazia quatro dias que os dois aterrissaram em Natal e ainda não tínhamos tido oportunidade de tomar o cogu, essencialmente por causa do seu amado filho, que ainda com cinco anos exige cuidado e atenção total. Nesta tarde de sexta, Rogério intencionou a possibilidade e achei que não teria problema algum tomarmos um graminha e sem muitas combinações descemos no restaurante Garagem, compramos um suco de maracujá, pedimos dois copos descartáveis, dividimos e seguimos caminhando em direção a praia baía dos golfinhos, a vinte minutos dali.
Toda a praia de Pipa é composta por falésias imensas, indo de uma ponta a outra. Aglomerações de pedras ao longo do caminho e pocinhas naturais formadas na maré baixa. Ao chegarmos procurei logo sentar porque o efeito em mim já borbulhava internamente, uma agitação vinda do estômago, falei que ali tinha muita gente, na verdade estava sentindo a energia de todas as pessoas que se espalhavam pelo espaço, curtindo ainda os últimos minutos de sol. Fiquei sentada, quietinha, tentando concentrar na respiração e posteriormente em transe, um estado maravilhoso onde estive dentro do campo energético da praia, porque posso ver além da material e física paisagem, indescritivelmente energia, muito bem desenhada e totalmente harmoniosa. Permaneci assim por umas duas horas e focarei aqui, apenas os aprendizados e as claras perspectivas que o universo me mostrou.
Achava a vida um martírio. Transcender me levou a ver que não posso estar harmonizada negando minha condição atual de corpo. Passei anos com a certeza de que o ‘estado de vida’ é carregar um corpo feito peso, uma penitência, o pagamento dos pecados intrínsecos na raça; mas não nos distinguimos, somos na verdade energia. É um estado que precisamos passar e assim sendo é covardia e fraqueza se opor à nossa natureza humana; primeiro porque sentir-se superior por ter acesso à ‘verdade’ foge do próprio princípio da verdade, que é o Amor. Segundo porque estamos negando a nós mesmos já que somos neste instante, condição de pessoa. Terceiro porque se é real a incumbência precisamos cumprir alguma missão. Descobrir qual é consiste no aperfeiçoamento do dom, da percepção e da sensibilidade.
Antes preocupava apenas com a saúde da mente; em buscar através dela a paz interior, mas o corpo é objeto indissociável, já que em seu interior reside a essência divina. Estava duelando dentro de mim, apontando culpa aos homens que fizeram guerras, quando na verdade, faço parte porque sou também “homem”. Não é preciso julgar nem sentir remorso ou culpa. Essa é a limitação que precisamos vencer; as máscaras desnecessárias criadas pelo perigosíssimo ego. É preciso caminhar tranquilo e sincero, aproveitar as belezas da vida, o brilho e a alegria sabendo que não há prazer sem dor, pois eles comungam juntos na estrada do eterno instante, que consiste no aproveitamento do meio, sem necessariamente qualquer ânsia para alcançar o fim, porque não há fim. Agora entendo que corpo é necessariamente parte do caminho, um instrumento, mas também parte dentro do funcionamento cíclico e naturalmente reciclável através da terra.
O sol finalmente se pôs e a noite reinava absoluta e estampada. Rogério brincava com o filho e eu presenciava o esvaziamento total daquela praia, a pouco tão habitada. Era realmente deslumbrante a beleza do lugar, tanto que não cabe em palavras, pois transbordaria. Em alguns poucos momentos trocamos palavras, certificando-nos mutuamente se estávamos bem. Na maior escala de momentos estive totalmente voltada para dentro de mim, expandida na unidade do universo através da consciência e da nova etapa de visão e percepção que o cogumelo, graciosamente, me ofertava.
Aqui, a difícil missão de organizar o pensamento e discorrer sobre cada partícula de denominações antes tão sólidas, caídas por terra. A humanidade em toda sua correria anda de costas para a luz da verdade, no mundo enclausurado da caverna de Platão. Olhar para a luz é uma questão de coragem, ainda mais de preparo físico, psíquico, espiritual. Um processo de aprendizado e verdadeira qualidade e conexão de vida. A maioria foge (de si) da serena luz existente em cada um, não pode se encarar porque está acostumado com a mentira confortável social, física. A verdade é ainda mais confortável, mas como saber se o medo do desconhecido torna desespero, apatia e fuga? A humanidade caminha oposta à verdade porque foi coagida, desde o nascimento, por uma força negativa poderosa a ficar preso aonde não importa, sem visão, sem as respostas que estão tão visíveis, mas não se pode ver com olhos vendados.
Alguns privilegiados conseguem espiar, viver a verdade, isso é; nadar contra a corrente da multidão, que robotizada, é programada a não enxergar perspectivas. Essas raras pessoas se preparam, se esvaziam e se encontram. Uma minoria ainda mais estreita alcançou a iluminação espiritual; como Jesus, Gandhi, Buda. A compensação do prazer é diretamente proporcional à dor, por isso sofreram e gozaram na clareza da verdade para a libertação do ego e, entendendo a vida, compartilhando a libertação vivendo o amor.
O ser humano busca preencher um vazio em vez de esvaziar o lixo e deixar fluir. Demoramos a entender que não há possibilidades de controlar nada, ainda menos de impor vontades ao mundo. Gera frustração, ansiedade, sofrimento. As pessoas que julgam precisam preencher o ócio com qualquer tolice. O eterno instante é o agora. É a vida. O processo pautado na incerteza; o medo do desconhecido é a causa da incerteza. Quando se elimina o medo, a tranquilidade se apodera e o resto flui. Enquanto se comete atitudes egoístas sem perceber é por fraqueza de percepção. E quando se toma consciência disso e se mantém no mesmo falso escudo, é fraqueza de amor próprio.
É tão fácil ler isso nas pessoas! Arrogância ou ingenuidade julgarmo-nos superiores aos animais, às plantas, ao vento? Deveríamos ser todos uma única sintonia porque somos parte do todo. Mas nós falamos, julgamos controlar, denominamos, limitamos. Nós acumulamos e desejamos. Nós nos apegamos e inflamos o ego, deixando-o maior inclusive que nós. Somos vítimas da massificação contaminada pelas regras rígidas e controladoras que oprimem e limitam a consciência por ser claramente, a melhor forma de escravizar (o eterno jogo do domínio). Sim, é lamentável o julgar, porque navegamos no mesmo mar. É preciso romper com as imposições e expandir a mente para conexão com o cosmo. O inteiro, a mãe pulsante que abriga todos os mundos. E todos os mundos a compõem.
Como somos fracos! Como somos previsíveis! Como somos bobos! As montanhas, as areias, as nuvens, os ventos, os mares, os bichos, as águas não precisam falar para se entenderem, vivem em sintonia porque não possuem ego. Quanto mais falamos menos entendemos. É preciso o ócio para obter esclarecimento. É preciso pensar no outro para cuidar de si. A felicidade não é uma utopia, ela está no compartilhar dos momentos. Na esmola existe o ego-doador e o pedinte comiserado. Não há harmonia, nem verdade na intenção. O amor é preciso compartilhar, não o dinheiro.
O dinheiro é quem talvez esteja no ponto mais distante da verdade. É também a causa das maiores barbáries da história humana. Guerras, a grande prova de nossa ignorância. O dinheiro também é uma criação do ego. A busca por ele torna assaltante e assaltado numa mesma adrenalina de negatividades. Não perdemos nada porque nada possuímos. Possuir é uma ilusão que nos faz miseráveis escravos do próprio ego.
Aliás, ego é o grande vilão e fonte de todas as limitações e sentimentos negativos que nós criamos e damos vida em nós. O demônio que sopra aos nossos ouvidos o tempo todo. Dele provém a raiz maléfica das sensações ilusórias e consequentemente, distantes da verdade. Oposto à serenidade e leveza; o orgulho, a vaidade, a insegurança, o pânico, a traição, a mentira, o medo, o egoísmo, a intolerância, a arrogância, o julgamento, a violência, a carência, tudo isso provém do ego. O apego, a superficialidade do consumo, a inveja, a raiva, a decepção, a vingança, tudo é ele quem controla dentro de um escudo individualmente iludido.
A sociedade controla. A televisão domina. A religião escraviza. Somos obrigados a seguir suas regras e conceitos, quando na verdade nascemos livres e cada consciência é um ponto de partida, e é também um mundo em constante interação. Um mundo (geralmente) não compreendido, caso não seja conivente com as leis dos homens. Sofri para entender que ser sincero e liberto das máscaras sociais é subversivo demais ao mundo, portanto mais cômodo marginalizar a originalidade e denominá-la de loucura.
Rogério me abraçou e agradeceu o momento, falei que não tinha o que agradecer já que compartilhávamos da mesma magia, mais um presente maravilhoso do universo. O efeito em mim estava realmente forte, como nunca antes. Depois li no livro Tibetano dos Mortos, que ao tomar cogumelo novamente, continua a “viagem transcendental” de onde parou, não importando tanto a quantidade (só tomamos um grama cada um!), e assim sucessivamente. Parece que na minha retina havia um véu meio branco, meio transparente onde absolutamente qualquer ângulo em que olhasse, sobrepunha a tudo, de forma que a “visão” para coisas físicas- digamos assim- estava comprometida. Aquele paredão de energia tinha uma forma totalmente harmonizada, e umas faixas de luz resplandecente, viva, reinando como uma manifestação divina.
Passados umas duas horas, já bastante escuro, Rogério chamou para irmos voltando à pousada, o filho precisava jantar. Olhei mais uma vez as falésias gigantes, onde mil rostos se espalhavam nas suas peculiares expressões. Algumas pessoas lá longe (atrás do véu esfumaçado de minha retina) caminhavam em direção a nós. Eu me esforçava para ver, mas o véu cobria tudo de energia. Apenas via umas manchas pretas que pareciam correr em efeito “câmera acelerada”. Achei engraçado e ainda vi quando o grupo entrou no mato da falésia em um caminho, muito provavelmente, oculto. Quando saímos da ilhota, voltando pela praia, o véu nos meus olhos foi diminuindo e a conformada e curiosa sensação de conhecer “o lado de lá” se apoderou em mim, depois fiquei sabendo que ele teve a mesma nítida experiência de morte.
Voltamos quase em silêncio e totalmente contemplativos. Rogério trazia o filho no ombro, e os dois conversavam intimamente. Paramos num determinado ponto para descansar, deitei na areia gélida da noite. Todo o universo desnudo e fundido à minha consciência, naquele momento, completamente esclarecida. Quando chegamos à entrada de estrada para subir até o centro de Pipa, um restaurante a beira-mar tornava tudo ainda mais surreal: era absurdamente preenchido de luzes coloridas e de variados tipos. Havia muitas pessoas se divertindo e uma música agradavelmente dançante. Admiramos por alguns instantes e seguimos até a pousada. O contato mais concreto da cidade diminuiu o efeito, porque perde um pouco o sentido de natureza. E as coisas construídas são percebidas como artificialidades.
De volta a pousada, lugar harmoniosamente arborizado e lindo, tomei um delicioso banho quente, escolhi uma boa roupa e me sentia plenamente feliz. Rogério se preparava com o filho e resolvi sentar na grama, embaixo de uma árvore antiquíssima de tronco muito largo, para desfrutar daquela paz. Os pensamentos dançavam na minha mente e o corpo reagia da melhor forma possível, era visível a positividade no semblante, no gesto suave, na voz amorosamente macia. Alguns ensinamentos ficam esquecidos quando o efeito do fungo passa, justamente para que sejam trabalhadas no silêncio, paciência e força de vontade. Mas ali sozinha entendi que o maior ensinamento é viver com concentração e passar pelas adversidades sem reclamar, culpar ou enraivecer. Absolutamente tudo tem um sentido de ser, alcançar esse entendimento torna a vida mais leve e melhor se compartilha a paz.
Depois fomos jantar sushi e logo voltamos para descansar. Quando chegamos ao quarto havia duas crianças, netos dos donos da pousada, que rápido se entrosaram com Caliel. Era muito bonito ver os três brincando. Rogério estava serenamente satisfeito, feliz com a alegria do filho. Eu deitei na rede e fiquei lendo Drummond. Tudo estava na mais perfeita harmonia.
A noite intensificou o cansaço pelo dia de sol e brincadeiras, e o pequeno Caliel adormeceu. Eu e Rogério fizemos um cappuccino e fomos fumar na cadeira da piscina onde conversamos longamente sobre diversos assuntos, especialmente, a experiência do dia e as nossas visões e aprendizados. Estávamos extremamente agradecidos pela companhia um do outro e pelo imenso privilégio da vida. Chegamos à conclusão que o compartilhar é mesmo onde a felicidade se concretiza. Dessa forma a missão de expandir a consciência no amor era nossa. Ele no delicado trabalho de cultivo, investimento e consequente disposição às pessoas que buscam, mesmo sem dar-se conta, o sentido de tudo. Eu com o dom da poesia, contava com a ferramenta da escrita para documentar os encontros divinos, de forma a atingir os leitores com o esclarecimento que obtive através da observação contínua, e claro, em ambos os casos, a essência de amar ao próximo no magnífico caminho das transformações.
*Experiência vivida em 2013