Lixo e recicláveis
Toda a esperança já se foi. Foi-se como um suspiro desesperado daquele que morre afogado. Esgotou-se e, com sua última gota, também correu ralo abaixo a luz, a doce inocência infantil.
Esgoto adentro, procurando bem, além de restos de comida, ratos e dejetos, pode-se encontrar pequenos pedacinhos da esperança alheia. Raros resquícios das crianças perdidas e algumas incógnitas descartadas.
O fedor dos bueiros não é apenas da excreção corporal, mas também compreende algumas formas dos restos apodrecidos das boas coisas. Lembranças também defecam, padecem e, então, jogamo-as fora, cuspimo-as, escarramo-as e vomitamo-as pelos cantos das cidades.
Beijos, suspiros e abraços, tudo se acumulando nos lixões. Não procures tua esperança na gaveta. Ela não estará lá. Jamais a encontrarás de volta. É mais fácil roubar a de alguém, ou reciclar uma velha.
Assim, foi destruído, com os holocaustos psíquicos, todo o pequeno detalhe que faz a diferença. As bombas, os tiros, destruíram o pensamento. O pensamento está em pedaços e agora embolora, por trás do armário.
É tudo lixo. Copos, pratos, pensamento, poeira das estrelas, esperança, buraco de verme.
Que descansem em paz em seu leito sepulcral. Descansem em paz, debaixo da terra. Descansem em paz, onde quer que estejam essas coisas.