CANÇÃO DE NINAR - Para meu PAI-

(Do meu livro:A menina da fazenda)

Assim meu pai embalava-me quando eu era pequenina:

-Jango, jalango...Jango, jalango...

Um berço tecido com taquara como era de costume na roça daqueles tempos.Um colchão acolchoado com penugens de galinha, macio como o corpinho da criança.

Meu Pai tão moço,tão alegre, balançando o berço de um lado para o outro:

-Jango, jalango...Jango, jalango...

Era sua canção de ninar!...

Mamãe dizia ser eu tão pequenina, tão frágil, que meu Pai me carregava nos braços com tanto cuidado, falando baixinho:

-"Meu ovinho de beija flor, minha florzinha de abóbora d´água".

Uma vez, já menina,ele disse-me, mostrando alguns papéis:

-Minha filha, estes papéis valem dinheiro, se eu morrer, você recebe".

" Se o senhor morresse, respondi achando a morte um fato inexistente,.Além disso eu só conhecia a vida e meu Pai era para mim a própria vida.

Passados apenas três meses ele morreu....Tão moço, tão alegre, sem ninguém saber por quê.

Seu ovinho de beija flor não se quebrou, sua florzinha de abóbora dágua resistiu a todos os ventos, aos raios de sol e temporais. Mas, muitas vezes, parecia-me ouvir dentro de mim a voz do meu pai me embalando no bercinho de taquara:

"Jango, jalango, jango, jalango>>>

Esta canção de ninar acompanhou-me sempre nas longas insônias da vida...,

Meu Pai

Meu Pai teus dedos se aprofundaram nas raizes de mandioca, brancas, puras e teus cabelos cresceram em capim gordura, que alimenta o gado. Assim foste farinha e leite, sustento dos teus filhos.

O sangue moço subiu pelas videiras, entrou na cor das beterrabas, assim foste fruto e suco, fortaleza dos teus filhos.

Os olhos verdes infiltraram-se na luz dos vaga-lumes que, à noite acendiam as lanternas na entrada da fazenda. Assim alumiaste nossa vida que não parou, mas prosseguiu na misteriosa força que vinha de ti.

Meu Pai,quando partiste, eu, ainda menina, apenas beijei tua mão, mas não chorei. O carro de boi te carregou pela estrada afora, um cortejo de homens a cavalo, outros a pé te acompanharam na última viagem.

Agora sei, a natureza poupou-me o pranto àquela hora por saber da enxurrada de lágrimas que ainda iria derramar por minha família, por meus amores, por mim mesma, no lento correr da vida!...

marinaza
Enviado por marinaza em 08/08/2015
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