Tela em duas cores ou a arte que se ama
Pintei o quadro muitas vezes em minha imaginação. Uma tela grande e vertical.
Não foi obra minha. Muito pelo contrário. Surgiu de pedaços de frases, de palavras e da criatividade que rondava minha mente na descrição de cenas e lugares.
O azul veio primeiro. Profundo, intenso. Às vezes misterioso. Em outros momentos, seguro e tranquilo como um mar inexplicável de algum outro mundo.
Não fui dona dele por mais que quisesse. Não o criei ou delimitei seus domínios. Simplesmente ele surgiu no canto da tela e se espalhou pelo branco, pelos meus olhos, dedos, braços e corpo.
E já senhor dos meus pensamentos ficou ali, à espera que em algum momento eu o tirasse do plano imaginário e o materializasse sob a forma de pinceladas.
Depois veio o vermelho. Cheio de energia e vontade. Lépido nos desejos mais ocultos de se fazer todo prazer.
E na arte que prometia a cada arremetida pela tela que desnudava nas minhas mais intensas fantasias, criava vida e buscava avidamente pelo azul que já habitava ofegante os segundos do meu dia.
E assim se fez a obra. Sem qualquer explicação.
Criação volitiva da mescla de duas cores que sedentas de se fazerem existir fincaram seus lastros na minha alma sôfrega de artista que jamais fez jus a paixão com que se uniram e se amaram.
Por mais de uma vez fiz ensaios com tintas e telas. Tentei pintar com maestria toda a sensualidade e beleza e vaidosamente expor meu quadro da união perfeita destas duas cores.
Nunca consegui ou talvez nunca tenha desejado de fato.
Elas surgiram no calor dos encontros intensos que jamais saciavam a fome e a sede do beijo interminável com gosto de fruta.
Uma mulher a se descobrir na entrega de vestidos e saias. Uma cena de cabelos soltos e hálito morno a repetir palavras apaixonadas na languidez dos olhos nos olhos.
Cores absolutas deste quadro que nunca existiu mas que vive como a obra de arte mais perfeita que jamais pintarei.
E nos momentos de contemplação de sua beleza, vejo-o cada vez mais forte, pulsando intensamente como fonte constante para a minha inspiração.
Como arte me basta, como amor é mais do que imaginei.