Meus encantamentos da infância
Uma vez eu me encantei com verniz. Eu devia ter uns oito anos quando pude abrir a lata daquele líquido amarelo queimado.
A madeira antes pálida e sem vida, se tingiu de dourado assim que deslizei o pincel por ela. A partir daí meu encantamento cresceu.
Nos meus planos eu me via pintando pedaços e mais pedaços de qualquer madeira que conseguisse e é claro, com o meu toque mágico dourado, faria brinquedos incríveis e mais: faria arte e dinheiro.
A caixa forte do Tio Patinhas me inspirava. Não porque eu quisesse nadar em dinheiro, mas porque ficava me imaginando conseguindo algumas moedas daquelas para comprar um monte de chicletes.
A paixão pelo verniz passou em pouco tempo assim que eu descobri que havia vários "artistas" que já tinham tido a mesma ideia; alguns, inclusive, reuniam palitos de sorvete em forma de caixas e porta-joias antes de envernizá-las. Portanto, eu, nos meus oito anos, não teria chance alguma.
A minha outra paixão foram as flores. Minha avó tinha o que se chamava "mão boa" para plantar. Tudo o que ela enterrava "pegava" e ela nem caprichava muito. Simplesmente gostava da planta, pedia uma muda ou uma folha e colocava na terra fresca. De tempos em tempos, molhava, conversava com os brotos e fazia festa quando as primeiras flores surgiam.
Inspirada pela habilidade dela e pela magia de ver aquelas cores surgindo nos botões eu me apaixonei.
Nos finais de semana, partia com ela em busca de plantas.
Percorríamos bosques, plantações, campos e muitas vezes passamos tardes inteiras em chácaras que produziam mudas e faziam jardins.
Estes lugares eram tão especiais para mim que eu deixava de comer para não ficar um minuto sequer longe das samambaias, orquídeas e rosas.
Foi entre musgos e avencas que eu percebi pela primeira vez o milagre da renovação e da persistência da vida que brota em qualquer lugar.
Meu encanto pelas plantas foi tão intenso que eu acreditei na minha capacidade de ter herdado a habilidade da minha avó.
Mas isto não aconteceu.
Por mais que eu me dedicasse às minhas mudinhas colocadas meticulosamente em latas vazias de óleo, invariavelmente elas se transformavam em folhas secas e galhos retorcidos.
Depois dos vasos e flores, vieram os peixes. Pequenos, coloridos e loucos para irem morar em um aquário na minha casa.
Nas excursões em bosques em busca de novas plantas ornamentais eu fugia um pouquinho e no riacho escolhia meu novo companheiro.
Em casa eu o colocava em um grande vidro de compota, cobria o fundo com pedras e areia do rio e decorava sua nova casa com plantas aquáticas.
Na ingenuidade interiorana do alto dos meus nove anos de idade, não sabia que peixes precisavam de oxigênio e todos, invariavelmente me deixaram.
E assim foi a infância.
Também achei que podia me tornar uma grande colecionadora de tampinhas de garrafa, de pedras exóticas e de cacos de vidro colorido.
Acreditei que podia fazer patins com carretéis de madeira, aqueles das linhas de costura e sonhei em cavar um grande buraco, destruindo todo o quintal de casa, em busca de ossos de dinossauro.
Em um momento, se não me engano, por volta dos dez anos, me tornei uma empreendedora fabricando "pó de arroz"; uma espécie de blush facial feito com cacos de tijolos de construção de várias cores.
Eu pegava os cacos, esfregava na calçada até transformá-los em um pó fininho, e, para demonstrar a qualidade do meu produto, eu mesma me maquiava e com as bochechas coloridas vendia frascos para as meninas e meninos da vizinhança que presentearam suas mães.
Hoje já adulta, olho para trás e vejo a riqueza da minha infância. Havia magia por todo lado. A chuva era uma brincadeira, o quintal era o mundo a ser explorado e quando vinha a fome, havia frutas no pé.
Minha paixão por plantas jamais diminuiu, nem pelas pedras e nem tampouco a minha crença de que posso fazer muita coisa com quase nada.
Às vezes fico pensando se naquela época me mostrassem o futuro com a possibilidade de trocar tudo por games, celulares e vidas virtuais. E então me sinto nostálgica, com uma espécie de incômodo, como se todas aquelas coisas já não existissem mais e fosse impossível resgatá-las ou explicar para os meus filhos qual era a sensação de ser criança como eu fui.
São mundos diferentes e sinceramente tenho muitas dúvidas se hoje é melhor. Talvez os mais velhos de tantos anos atrás pensassem da mesma forma que eu penso agora.
Não sei.
O que sei é que busquei todos aqueles encantos, e hoje se consigo me emocionar com as cerejeiras que florescem no inverno ou com a chuva brincando no jardim, é porque provei e vivi em um mundo tão real que me permitia acreditar em sonhos e fantasiar que eu podia ser e fazer o que quisesse.
Quem sabe, até cultivar as mais belas rosas pela vida afora enfeitando meu quintal.