Tramas e dobras
Poucos resistem esmiuçamentos de suas vidas.
Consigo depois de muitas vivencias, experimentando, aguentando no cerne.
Anos indefesa, abobalhada, precisei do silêncio dos mais fortes e que os mesmos me cuidassem.
Depois que em Conceição do Araguaia vivi, ao Sul do Pará, na década de 70, quase menina, reconstruí-me através da falta de tudo: Farinha de puba( não aprendi a comê-la), e peixe.
As chuvas torrenciais na selva amazônica cumprem seu maravilhoso ciclo, o Ciclo das Águas.------só aprendi isso há pouco tempo.-----
Os 'flagelados' das enchentes chegavam aos borbotões como se Conceição do Araguaia fosse o último porto, o último berço.
A igreja ficava quietinha, suas portas largas fechavam-se, o padre sumia e para aquele mundo de gente só restava a caridade de quem podia mais.
Conhecendo como conhecia a estrutura da mesma, acreditava que estava mofando alimentos em sua cozinha.........Muito revoltada, vociferava, esperneava e me tornei amarga.
Meu melhor amigo, Manelão e sua doce companheira Marlene, seguidores de São Francisco, andavam descalços e eram para mim, anjos caídos na Terra. Nunca havia convivido com pessoas tão boas, tão simples e Manelão me avisou que eu estava engasgada com algum osso do passado e que precisava resolver Aquilo antes de qualquer movimento.
Fazia Yoga, meditação, era vegetariana na época e todas essas bobagens que inventamos para não termos contato conosco mesmso e foi aí, nessa chamada de atenção, que vi minha IMATURIDADE diante da EXISTÊNCIA. Por isso reagia àquela situação dos flagelados com tanta contundência. Por quê não agir por amor ? Fiquei observando-me. Ajudei no que pude, na construção de casas simples, de tábuas, em terras circunvizinhas e a igreja emprestava-nos ferramentas para construção das mesmas assim como para estrados de camas e toscas mesas.
Tábuas, pregos e vigas conseguíamos com comerciantes da cidade, de porta em porta.
Meu marido (in memoriam), era funcionário do BB e ficou em choque quando me viu nas ruas, de macacão de brim bege, suja de serragem (adorava o cheiro) pedindo......
Brigamos muito mas o campeonato de xadrez absorveu-o e esqueceu que eu existia, uma bênção!
Esmaguei as cabeças dos dedos e frei Ricardo quando foi lá em casa de noite com Heloísa, vendo fotos, comendo roscas mineiras-goianas assadas na hora, com café fresquinho, perguntou-me o que lia no momento. afirmei-lhe veementemente que estava mergulhada em Kalil Gibran. Engoliu seco, percebi, mas ficou calado.......
Chuvas cessaram e todo aquele povo da noite pro dia, desapareceu.
Voltaram pra suas ilhas sem nem mesmo dizerem Adeus.
Fiquei em choque, como assim?
Foi então que soube que todos os anos, o povo ribeirinho, vai e vem como as águas do Araguaia.
Então por quê não cuidam do que construímos pra eles? Haverá um próximo êxodo...............Será que viciaram na epidemia de serem ajudados? Claro, minha ingenuidade de novo pegou e dancei!
Por quê Manelão e Marlene não me disseram nada? Pelos flagelados, chorei até empapuçar dias e noites!
Aprendi assim a enxergar a vida com MEUS olhos, ouvir com Meus ouvidos e sentir com MEU coração. Como precisei caminhar...... Meio século, e quanto ainda terei que caminhar?
Enquanto Existir creio.
Caminhemos juntos pois, aprendamos!
Seremos sempre ingênuos, puros ou burros?
Podem deitar a lenha, podem vociferar, podem tudo!
Carinho, Arana.