O presente. [ surpresa]

Sim, uma surpresa! Que tipo de surpresa? Surpresa é surpresa, ué? Ela não diria. Que espécia de coisa era aquela que exigia, assim, tanto sigilo?!? Perguntou-se, quase insano, diante da curiosa idéia de que ela lhe daria um presente. Que me importa o que seria?!? Importa que ela tinha lembrado. Tinha planejado, minunciosamente suas reações, seu olhar diante do embrulho, sua cara de "surpresa", embora a surpresa fosse apenas saber o que era. E passou o dia, conjecturando.

Ela morava no cerrado, ele no litoral. É lógico que demoraria a chegar.... E se nem chegasse?!? Já valia a idéia. Mulher apaixonada faz diversas peripécies! E homem apaixonado baba, em cima dessas pequenices.

O menino-homem-apaixonado sorriu, meio sem jeito, quando o embrolho chegou. Foi numa manhã muito cedo, fora praticamente acordado pelo entregador do correio. A afobação foi tão grande que deixou escapar o telefone, bordado em letras de convite de festa chique. Mas logo, logo a tensão foi perseguida pela ânsia. Se queria abrir?!? É obvio que queria!! Mas deixou guardar um sorriso e um sussurro, esperou, de medo. E se ali tivesse um sonho tão enorme que ele não conseguisse asas pra fazer chegar? E se fosse um pedido cabuloso de eternidade, que ele, de tão jovem não pudesse alcançar? E se fosse um quilo de fartura, poderia aceitar?!? E se fosse o mundo embrulhado em papel couchê? E se não fosse? Antes, antes...!

Guardou a caixa. Guardou o embrulho debaixo de si. Contemplou a minúncia dos dedos, e esteve certo de que aquelas mãos habilidosas tinham, certamente, tecido o presente. Sentiu remorso. E se ela estivesse esperando o aviso de que tudo tinha chegado? [E nesse tudo-tudo, que seria a explicação pro que estava embrulhado?!?] E se o estômago estivesse mais grudado de fita durex que os peitos?!? E se....

Abriu. E de dentro do embrulho viu uma luz tão radiante que parecia algo que piscava. Tentou vasculhar. Nem pense em rasgar o papel, menino! Seu medo o guiou. Sua ânsia de vontade o levou ao perto do cartão riscado em versos cintilantes. E lá estava: um pedaço de coração estropiado, talvez pela geografia e pela briga com o avião. Lá estavam todos os versos que se pode prever no silêncio quieto de almas correspondentes. Lá estava... A letrinha redonda e bordada de uma menina apaixonada... que mora longe do seu amor. Lá estava um presente: a estada, a quietude, a presença. Um olhar, dois versos, muitos verbos conjugados no presente. E junto com eles, nada de pedidos... Apenas mãos entrelaçadas.

Inês Martins

abraços e beijos..

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Prestigiem!