A Despedida de Benedito Messias e Seu Tesouro Invisivel

A DESPEDIDA DE BENEDITO MESSIAS E SEU TESOURO INVISIVEL

Benedito Messias se despede de nosso mundo. Em seu leito o relógio conta as ultimas horas, suficientes para deixar o seu legado. Ele subiu varias vezes a montanha encantada da Cidade de Profecia, onde os habitantes buscavam ouro. Nunca encontrou nenhuma pedra preciosa. Nenhum vintém. Apesar disso Benedito faz a montanha chorar sua morte. Peregrinos, camponeses, beatas que freqüentavam as capelas e companheiros de garimpo. Amigos... A maioria eram seus clientes na padaria de sua propriedade. Nela Benedito fornecia o pão sem discriminação de crença ou religião, mas com uma condição par todos: “O pão era entregue com a mesma magia para todas as mãos”. Todos se lembravam de Benedito ao comerem do pão. Durante décadas comeram do pão untado com lembranças do sorriso, dos alentos e também das piadas de Benedito. Os habitantes se lembravam das palavras sempre em boa hora de Maria de Lotus sua esposa. O mais graduado profissional de vendas de Profecia jamais conseguiu o resultado que Benedito e Maria conseguiram nos tempos áureos de padaria.

Benedito em seu testamento assinou apenas a escritura da casa dos fundos e do terreno que um dia acolheu a construção da padaria “Luz de Arjuna”. O restante do legado foi constituído de jóias invisíveis e palavras que agora registro no texto abaixo. Assim relata meu pai Benedito:

- A primeira transmissão televisiva do país foi aqui em Profecia. Sua antena ficava logo ali naquele prédio. Servimos a primeira fornada de pão para os funcionários. - conta Benedito apontando para a janelinha do quarto. - Maria de Lotus com brilho nos olhos meneava a cabeça confirmando o que era dito.

- Vimos pela primeira e última vez o gigantesco Zeppelin cruzar o céu de Profecia. Naquele dia, como nos dias de graças e de procissão, esgotamos os potes de balas e doces para celebrar a alegria das crianças que aqui passavam e inocentemente compartilhavam da energia dos adultos. – Duas lagrimas, como efêmeras gotas de diamante correram pelo rosto de Maria de Lotus ao lembrar-se do efêmero e ao mesmo tempo eterno sorriso das crianças e do eterno céu dourado de Profecia.

- Fomos testemunhas do triunfo dos policiais por capturarem a grande quadrilha no primeiro grande assalto a banco da história do país. O dinheiro resgatado daria para comprar quase cem carros “rabo de peixe” que sonhamos comprar após sermos transportados por um daqueles no dia de nosso casamento. Os agentes celebraram o triunfo da operação com nossos pães e vinhos não é Dona Maria?

-É sim meu velho... – Disse Maria de Lotus, minha mãe.

- Nosso filho estava com doze anos não é Dona Maria? Ele estreou em sua primeira fornada quando teve que lhe ajudar porque eu fui voluntário na organização dos leitos em barracões improvisados para atender os doentes da gripe que tomou quase toda a cidade de Profecia. Foi ou não foi mulher?

-Eu me lembro disso. Duas horas da manhã eu consolei Berenice que chorava a perda do marido que não resistiu a tal gripe enquanto nosso pequeno Jeremias alimentava com pão e chocolate quente os filhos dela neste mesmo quarto. – Relembra Maria de Lotus.

- As grandes máquinas de impressão de papeis foram descarregadas na ruazinha que há pouco tempo passava charrete e então tivemos a primeira imprensa e publicação em grande formato. Hoje é o “Jornal de Profecia”. – Continua Benedito com o som da voz reduzido.

- Ah... A fábrica de carros que se instalou no galpão do antigo armazém... Não fabricavam bem um “rabo de peixe” como eu queria, mas comprei um dos primeiros a serem fabricados e transportei muitas sextas de nosso pão para as empresas que vinham se instalando em Profecia. Lembra-se disso?

- Sim. Posso ouvir as molas do banco. Para quem andou de mula a infância inteira aquilo era um sonho. – Diz Maria com um morno sorriso.

Eu e minha noiva, Diamantina às vezes olhávamos da janela o céu dourado de Profecia enquanto ouvíamos as ultimas palavras de meu pai Benedito que aponta em nossa direção e diz:

- Vocês dois... Conseguem enxergar aquele pedacinho ali atrás do casarão? Então. Ali era o “Largo da Liberdade” onde durante décadas aconteciam festas e reuniões dos ex-escravos da antiga Profecia. Quando foi sancionada a lei que os libertou, muitos vinhos da nossa “Luz de Arjuna” regaram as folclóricas festas que aconteceram naquele largo. Foi ou não foi mãe.

- Foi sim pai...

-Num domingo, eu e sua mãe andamos na primeira viagem do bonde que foi inaugurado. Aquela foto ali atrás do armário mostra a gente ainda muito jovem em frente ao bonde junto com o governador.

-Em nossa humilde “Luz de Arjuna”, no quarto dos fundos, abrigamos um mensageiro que hoje seus textos são reconhecidos mundialmente apesar de ser uma obra póstuma. Este se tornou um filho adotivo para nós.

Nessa hora eu, Diamantina e Maria de Lotus seguramos as mãos de Benedito que após um ultimo e derradeiro suspiro diz:

- Jeremias, meu filho. Lembre-se de tudo o que te faz voltar para o seu amor independente de toda a ingratidão e furor de Profecia. O que lhe faz voltar para seu caminho inicial “Ser Feliz”.

Então olhei nos olhos de Diamantina e não mais temi ser feliz. Não mais temi a censura dos habitantes de Profecia que duvidam da felicidade de quem não encontrou o ouro em um testamento. Abracei minha mãe sem culpa e pensei em todos os amigos que nas sombrias e perigosas ruas de Profecia pude encontrar como flores em meio ao lodo. Aquilo tudo me fazia feliz e então lembrei que o único pecado é ser infeliz.

Com o ultimo fôlego de vida Benedito disse suas últimas e breves palavras e em seguida serrou os olhos para sempre.

- Meus queridos. Aqui eu me despeço desse mundo lhes dizendo:

"Ganhar é não morrer em vida por se desistir da lida. Nesta vida ganhei e perdi, mas sobre tudo vivi"

Benedito Messias desencarna como um dos homens mais ricos de Profecia. Sim, embora a penumbra daquele quarto com paredes descascadas revelassem o contrário para os moradores daquela cidade. Ele abriu o baú chamado “consciência” o qual todos abrirão um dia mesmo que no presente momento relutem em abrir. Nesse baú continha grandes momentos de felicidade e amor porque amou tudo o que fez. Seus feitos eram simples, mas de coração. Fez o que gostava com muita gratidão. Tudo o que de fato queremos não podemos ver, apenas sentimos. A amizade, a gratidão, o amor e a alegria eram as jóias invisíveis de seu tesouro e essas não podiam ser lavradas em um testamento como bens tangíveis.

Christian Lima
Enviado por Christian Lima em 17/12/2014
Código do texto: T5072431
Classificação de conteúdo: seguro