186 - O ESPELHO...
Hoje me observei mais detalhadamente no espelho, me espiei mais demoradamente como nunca fizera, foi como que usasse de uma lupa para ampliar os meus detalhes físicos, e atentei a tudo, e o que vi?
Vi que os meus cabelos estão bem mais brancos do que imaginava, que alguns sulcos tornaram mais profundos no meu rosto, que minha pele esta um tanto ressequida, aquele costumeiro olhar duro e intimidador foi substituído por um outro, mais triste, da luz desprovido, diante desta imagem me senti um tanto envelhecido, um cansaço enfadonho avançou celeremente sobre o meu corpo e minha alma, foi como se eu desistisse de viver naquele momento, vi meus ombros arqueados parecendo padecer sob toneladas e toneladas de idades, aquela lufada de realidade atrelada à imagem agora teimosamente refletida não no espelho, mas na minha mente, mostrou-me que o tempo havia passado, e como havia passado, passou tão depressa que muitos sonhos havidos, agora perdidos ficaram para sempre, envelheci, e pouco tempo de vida me resta!
Imagino!
E o mais engraçado e surpreendente é que não pressenti o tempo passar, mas ele passou, e como passou, passou e levou consigo tantas coisas que eu julgava importantes, que agora a luz desta imagem não mais possuem toda aquela relevância que até a pouco pareciam merecer, enquanto outras coisas por mim julgadas irrelevantes assumem em valores engrandecidos, e o tempo continua a passar e eu continuo não percebendo, inexoravelmente ele passa e nos coloca diante de um enigma, como melhor aproveitar estes retalhos últimos desta existência?
Atos finais, a sabedoria esta em saber o que descartar e o que ainda pode ser conquistado, é de cortar o coração sentir que muitos sonhos tão almejados agora serão jogados na lixeira do esquecimento, não existe um tempo disponível para concretizá-los, então correr contra o tempo é preciso, é preciso antes de tudo aprender a selecionar os sonhos possíveis, a seleção agora é mais pungente, mais dolorida, e tem que ser assim, muito daquilo que gostaríamos de realizar, agora contristados concluímos que jamais se realizarão, esta certeza dói e machuca, tenho que reconhecer que a idade é um fator limitante das nossas ações, urge, a corrida é contra o relógio da vida, aproveitar o tempo que resta é o que importa e ter a madureza para reconhecer que cometi muitos erros, erros que hoje não mais cometeria, mas foi através destes erros que aprendi a viver melhor, e não foram em vão!
Já posso imaginar o trem da minha vida chegando à última estação, nem sei se terei tempo para despedir dos amigos, nem sei se terei tempo para abraçar a minha família, nem se estou preparado para estes transtornos finais, mas isto não mais importa, o que importa é que eu amei e fui amado, talvez em uma outra existência eu tenha que continuar esta mesma viagem em um outro trem, novas estações haverão de surgir, novos companheiros, mas o que eu mais gostaria é que me fosse permitido a continuar amando quem eu tanto amei nesta vida...