Prosa_poética_n_2: O Rebento e o Movimento
Naquele antigo caderno
de um tempo anterior ao presente, pós-moderno,
o grisalho leitor se deparou com a seguinte definição: “o vento é o ar em movimento”.
Esse encontro inusitado
naquele recanto da casa, poeirento e abandonado,
o convidou a voltar ao passado, daqueles dias de ingênua excitação.
Menino discreto, inseguro de afeto
agora encarnado naquele adulto-menino ali ereto,
relembrou sorridente os pensamentos contidos naquele registro, a lápis e em letras tortas, que o tempo quase apagou.
Quem foi o rebento que inventou o movimento?
Rebento teimoso, inteligente, enganador e levado
rebento charmoso, curioso, observador e, das invencionices, um aficionado.
Essa curiosa dimensão que se evoca sem discernimento,
que permeia a vida e a morte a todo o momento,
que governa soberbo no firmamento.
Passado, presente, futuro, em pé ou deitado
sua constante presença aflige, alegra, constrange, acalma,
proclamando seu inconteste reinado.
Inquieto e calado o adulto-menino se perguntou intrigado:
por que tudo não poderia ser realizado no santo momento da preguiça?
Por que sem movimento tudo enguiça?
Até mesmo naquele instante de leitura e pensamento,
aos seus olhos e a sua mente era imposto realizar um movimento,
essa imponente invenção do atrevido rebento!
O movimento, essa cativante invenção do rebento, a tudo e a todos domina. No caso do poeta, pensou o adulto-menino, mais do que provocar a cadência das mãos, afirma seu poder, fazendo sua mente coordenar o pensamento, na conexão articulada dos dedos a procura da letra, que constrói a palavra, que enuncia o ritmo da sentença,
que dá sentido à estrofe, cuja misteriosa tessitura traz alívio fugaz ao sofrimento.
Ah, esse tal de rebento e seu invento, o movimento,
que faz o adulto-menino relembrar daquela época de pleno agitamento.
Que faz o idoso lágrimas saudosas verter por conta dos idos tempos de correr e brincar até enfraquecer.
Ah, que saudade daquele tempo regido pelo encantamento do movimento.
Tempo que hoje, no ocaso da vida, se converteu nas dores, nas lamúrias e no arrependimento, de não ter usufruído muito mais do invento do prodigioso rebento.
Bendito rebento que inventou o movimento!
Bendita ideia que faz da história dos homens um eterno renascer de esperança esperançosa, de rica e profícua renovação que se pereniza.
Ah, esse tal de movimento, que a tudo e a todos toca e mobiliza,
até mesmo quem agoniza,
ao sentir o sabor de suas migalhas se eterniza.
Ah, esse tal de movimento, que traz a luz do sol a cada raiar do dia,
que traz as nuvens e a chuva benfazeja para aqueles que têm sede,
e o desassossego para aqueles cuja instabilidade do clima tanto lhes angustia
Ah esse tal de movimento
esse maravilhoso invento,
desse não menos maravilhoso e estranho rebento
que, um dia, sem nos avisar,
de nossas mãos escapole,
deixando-nos cegos e sem vida,
órfãos no eterno descanso que, ao fim e ao cabo, vamos nos entregar.