PEQUENO DIÁLOGO SOBRE A CEGUEIRA

À tarde a nuvem passa e ameaça o horizonte.

Quem viu o sol? És aquele que vê além de um sol: sóis?

Portanto, vos repara que havia ali além de um sol:

– dois, três. Quatro.

Sois quem? Alguém que vê além.

Quem és? Alguém que observa de viés.

Que importa a nuvem quando há, além, os sóis?

Horizonte é a linha final para quem se atém a um sol.

E apenas.

Foi que deram volta à cabeça, mais olhos e ouvidos e tato: aos pares.

Já fizeste produzir o horizonte quando há noite? Pudera...

Interessa apenas o que podes ver, e assim, quando não tocas, imaginas.

E assim, quando não imaginas, ouve. Gosta. Digere. Repugna.

À tarde a nuvem passa e ameaça o horizonte.

Imaginas, tu, a névoa iluminada que invade-me a cabeça?